A governança pode ser definida como um modo de governação que permite ao
mercado operar e viabilizar a participação activa dos cidadãos nas tomadas de
decisão (Gomes, 2003). A governança supõe, em última análise, um governo mais
atento aos limites da sua esfera de acção e que saiba trabalhar com eficácia no
âmbito dos parâmetros estabelecidos.
A governança comporta os requisitos institucionais para a optimização do
desempenho administrativo, isto é, o conjunto de instrumentos técnicos de
gestão que assegure a eficiência e a democratização das políticas públicas.
Segundo Diniz, citado por Gonçalves da Silva, o termo envolve a capacidade da
acção estatal na implementação de políticas para a consecução de metas
colectivas. Refere-se ao conjunto de mecanismos e procedimentos para lidar com
a dimensão participativa e plural da sociedade, o que implica expandir e
aperfeiçoar os meios de interlocução e de administração do jogo de interesses.
A partir desta definição, pode aferir-se a qualidade da governança. Entende-se
como boa governança o conjunto de acções por parte do governo que assegure a
eficiência e a democratização das políticas públicas. Já a falha do governo em
administrar os seus instrumentos técnicos de gestão para o bem dos seus
governos é denominada má governança
. O
termo governança leva-nos às condições de governabilidade/governo estável, ou
seja, a capacidade de gerir de forma estável e eficaz a coisa pública. O modelo
de governabilidade supõe a descentralização e desconcentração na administração
pública, aplicação de modelos gestionários e a desburocratização. De acordo com
Catalã, citado por Martínez, a governabilidade refere-se à capacidade de uma
determinada sociedade em enfrentar positivamente os desafios e as oportunidades
que se apresentam num momento determinado. O sistema é governável quando está
estruturado sociopoliticamente de modo tal que todos os actores estratégicos se
interrelacionam e resolvem os seus conflitos segundo um sistema de regras e de
procedimentos formais ou informais – instituições – dentro do qual formulam as suas
expectativas e estratégias (Martínez, 2005).
Martínez diz-nos que a governança implica, pois, uma forma nova e
diferente de governar, caracterizada pela interacção entre uma pluralidade de
actores, as relações horizontais (governante e o cidadão), a busca de
equilíbrio entre o poder público e a sociedade civil e a participação do
governo e da sociedade em geral, e de um único actor, seja este político,
económico, social ou cultural. Esta mesma governança obedece aos princípios de
participação, transparência, prestação de contas ou accountability, eficácia e coerência.
A avaliação da governança passa necessariamente pela implementação das
políticas públicas – as acções que o governo realiza com o objectivo de atingir
os caminhos estabelecidos e que serão efectuadas pela Administração Pública. As
políticas públicas são implementadas para todos e devem surgir da união da
sociedade civil organizada, partidos e governo, que traçam juntos os destinos
da nação; passa também pela participação activa do indivíduo nos assuntos do
Estado (cidadania). Tal é o verdadeiro sentido da democracia. Esta mesma participação
é exercida pelo voto nas eleições e nas tomadas de decisão acerca dos temas de
interesse público, como por exemplo ao participar na selecção das políticas
públicas.
No plano africano, os problemas do subdesenvolvimento humano, crescimento
económico disperso, corrupção, abuso do poder, as falhas no funcionamento dos
sistemas administrativos, tais como a saúde, educação, habitação, serviço
comunitário/social, explicam-se por causa da não consolidação política dos
Estados (muitos países ainda vivem no rescaldo de conflitos étnicos e
religiosos) e pela não aplicação de adequados modelos técnicos de gestão
pública. Isto pode-se traduzir na ausência de boa governança. Segundo Gomes,
podemos dizer, em síntese, que o risco para a governança resulta, por um lado,
das falhas na articulação entre o plano da representação política e o plano das
negociações sectoriais e, por outro lado, das tensões crescentes entre a lógica
pura e dura da economia de mercado e uma lógica de radicalidade democrática
(Gomes, 2003).
A ideia de governança numa Angola pós independência é muito recente visto
que o país viveu muitos anos de guerra civil (antes e depois de 1992, com as
eleições presidenciais de Setembro desse mesmo ano). A estrutura do Estado
encontrava pouco campo de acção para estabelecer os seus fins, e os cidadãos
não participavam activamente nas tomadas de decisão política. Com o Acordo de
Paz assinado a 4 de Abril de 2002 e as eleições legislativas de 5 de Setembro
de 2008 (dezasseis anos depois), fruto duma democracia em amadurecimento, o
Estado tem procurado ser eficiente e transparente na implementação das
políticas públicas. De igual modo, procurou criar as condições para os cidadãos
exercerem os seus direitos e deveres, por meio de votos, esperando assim a sua participação
mais activa.
Será saudável que um país como Angola, que se encontra em fase de
reconstrução, aproveite as vantagens da governança para o bem da população do
país e dos países que estão à sua volta. Rosembaum, citado por Gomes, refere as
vantagens que a governança parece apresentar, desde que não conduza à criação
duma espécie de “muro de Berlim” entre os diferentes níveis de administração. Em
tese, a governança permite reforçar o sistema de checks and balances do Estado de direito; leva à criação dum espaço
suplementar de participação cívica e à emergência de instituições da sociedade
civil; oferece novas oportunidades e recursos para a intervenção de partidos
políticos de oposição ao governo; cria espaços de aprendizagem para o
desenvolvimento de competências e práticas democráticas; dá mais opções aos
cidadãos quanto à prestação pelos serviços públicos do que lhes é solicitado;
permite combinar uma certa uniformidade com a necessidade de fazer adaptações
locais e, assim, estar mais em consonância com os interesses das populações;
confere um maior sentimento de eficácia política ao conjunto dos cidadãos, que
tendem a reagir mais positivamente a um governo que lhes está próximo; enfim,
oferece melhores possibilidades às iniciativas económicas locais (Gomes, 2003).
Sabemos que, em termos gerais, as políticas púbicas são orientações e
directrizes que a Administração Pública deve seguir para atingir o bem comum,
tendo por objecto assuntos de interesse geral. Neste contexto, o governo é o
órgão máximo e a administração apresenta uma conduta hierarquizada como meio
para atingir os objectivos traçados pelo governo. Dornelas frisa que as
políticas públicas têm como função manifesta a afectação de recursos – com ou
sem relação com as disfuncionalidades de mercado; a redistribuição de
benefícios, políticas activas, assistência, dispositivos de promoção,
estabilização e regulação de actividade económica e integração social. E, como
função latente, imposição de limites à desorganização social, produção de
normas de referência, aprendizagem institucional, reformas da arquitectura
institucional do Estado e legitimação das instituições (confiança, diminuição
de tensão, etc.)
. Cabe ao Estado realizar
várias actividades em prol da colectividade, devendo para tanto traçar um
planeamento estratégico, elegendo prioridades e metas governamentais, bem como
a escolha dos meios adequados para a consecução do bem comum, visto que, segundo
Chevallier, o Estado não é só uma organização territorial mas a expressão da
vontade colectiva da nação (Chevallier, 1999).
Um exemplo concreto das actividades colectivas do Estado é o do Estado-Providência
e as suas sucessivas reformas. Mozzicafreddo refere que a reforma do modelo de
funcionamento do Estado-Providência, nomeadamente nos mecanismos de concertação
social, deveria assentar em princípios básicos de regulação da sociedade, tais
como a existência de um compromisso social e económico assumido e interiorizado
entre os parceiros sociais e o sistema político no seu conjunto, não apenas do
impasse em que se encontra o país, mas também no sentido de alterar as
políticas casuísticas – de compensações sociais e financeiras e de soluções
parcelares e imediatas – por uma acção reguladora e estruturadora das actividades
económicas e sociais. A reforma social não pode negligenciar a necessidade de
introduzir princípios de selectividade nos sistemas de protecção social, de
contenção dos gastos públicos e de racionalização da administração pública, por
forma a estabelecer um sistema com maior equidade social – com maior incidência
nos necessitados – e menores gastos corporativos e de dependência assistencial.
A reforma social não pode também introduzir sistemas de sistemas que gerem uma
desigualdade de oportunidades de forma a criar uma igualdade de acesso aos
sistemas de protecção social pelos segmentos sociais mais desfavorecidos. Esta
reforma deve procurar garantir uma participação alargada no funcionamento da
concertação social. Estes são processos que induzem comportamentos e, neste
caso, de reconhecer que depende do sistema político, face à necessidade de
compatibilizar a médio e longo prazo o compromisso entre padrão económico
competitivo e coesão social, o desenvolver políticas de centralização organizadora
que devolva ao político, no contexto dos diversos poderes sociais e económicos,
o papel de regulação estratégica da sociedade (Mozzicafreddo, 2001).
Como prioridades nas políticas públicas em Angola, o Estado aposta (deve
apostar) no apoio social aos mais desfavorecidos, com a criação de
infra-estruturas tais como hospitais suficientes, creches, lares para a
terceira idade, escolas, etc, assim como na formação de quadros, a modernização
dos serviços públicos
e a
melhoria da estrutura e funcionamento da Administração Pública.
A cidadania é a participação do indivíduo nos assuntos do Estado. Para
Aristóteles a cidadania era o
status
privilegiado do grupo da cidade-Estado. No Estado democrático moderno, a base
da cidadania é a capacidade para participar no exercício do poder político por
meio do processo eleitoral. Assim, a participação dos cidadãos no moderno Estado-nação
implica a condição de membro de uma comunidade política baseada no sufrágio
universal, e portanto também a condição de membro de uma comunidade civil
baseada na letra lei. Enquanto para Aristóteles, o
status cidadania estava limitado aos autênticos participantes nas
deliberações e no exercício do poder, presentemente a cidadania nacional
estende-se a toda sociedade
. Para
além da questão dos direitos e deveres, a ideia de cidadania como exercício de
participação nas tomadas de decisão política está ligada às classes sociais,
com o seu fluxo de igualdade e desigualdade social. Segundo Barbalet, os
aspectos da desigualdade social são afectados pelo alargamento do âmbito da
cidadania (Barbalet, 1989)
.
Barbalet acrescenta que existem três elementos de cidadania: o civil, o político
e o social. O elemento civil é composto pelos direitos necessários à liberdade,
e a instituição que lhe está associada mais directamente é o sistema judicial
fundado na lei. O elemento político consiste no direito de participar no
exercício do poder político. E finalmente o elemento social é constituído pelo
direito ao nível de vida predominante e ao património social da sociedade
. Sampaio
Marinho afirma que cada cidadão tem determinado direito e as respectivas
obrigações para com o Estado a que pertence. Quanto aos direitos sociais, João
Carlos Espada define-os como pretensões, e não só liberdades, já que deveriam
implicar a obrigação por parte de terceiros de assegurarem um tipo qualquer de
bens a que se considera que o seu titular tem direito. Como a obrigação que
decorre desses direitos não é uma obrigação negativa, mas sim uma obrigação
positiva de agir, nomeadamente a obrigação de assegurar bens e serviços (ou o
acesso a bens e serviços), os direitos sociais têm de ser direitos positivos.
E, por último, como não acarretam obrigações para indivíduos específicos,
exigindo, em princípio, acção, ou a contribuição para uma acção, por parte de
todas as outras pessoas em relação ao titular do direito, os direitos sociais
são supostamente
in rem (Espada,
2004). Espada distingue os direitos
in
personam dos direitos
in rem da
seguinte maneira: os primeiros acarretam obrigações específicas por parte de
determinados indivíduos, como no caso do direito de um credor contra o seu
devedor. Pelo contrário, os direitos
in
rem envolvem obrigações por parte de todas as outras pessoas, ou de “toda a
gente”, para com o titular do direito. É o caso dos direitos de propriedade, de
acordo com o qual todas as pessoas têm uma obrigação de tolerância ou não de
interferência na propriedade alheia (Espada, 2004)
.
Mozzicafreddo afirma que um dos elementos de limitação do exercício
efectivo da cidadania se refere a algumas das características do funcionamento
dos partidos políticos e do Parlamento
enquanto forma de representação dos cidadãos. Não se trata de pôr em causa o
seu papel positivo, mas apenas de observar alguns dos efeitos disfuncionais da
sua acção enquanto canais privilegiados da representação dos cidadãos e de
formação do espaço público (Mozzicafreddo, 1998)
. No
caso angolano, por exemplo, com as eleições legislativas de 2008 foi
constituído o novo Parlamento com 191 deputados do MPLA, 16 deputados da UNITA,
8 deputados do PRS – Partido Renovador Social, 3 deputados da FNLA e 2 deputados
da ND – Nova Democracia. Estes partidos políticos e os seus respectivos
deputados foram nomeados como representantes e aqueles que respondem pelos
cidadãos no Parlamento. Tanto os partidos políticos como a sociedade civil têm
o direito de influenciar o processo de decisão das políticas públicas e contribuir
para o bom funcionamento da governança.
Por isso, o actual estado de governação angolano é aceitável comparativamente
ao passado mas a plena concretização do Estado de direito requer medidas em
múltiplos domínios, quer no plano estritamente político, quer no plano
cultural. O desenvolvimento estratégico do país é definido pelo Livro Branco (com
um horizonte de 20 anos), bem como pela Agenda Nacional de Consenso (a exemplo
do Pacto de Estabilidade de Portugal). Esta Agenda Nacional de Consenso tem
procurado transformar a economia dos recursos irrenováveis para os recursos
renováveis. Por exemplo, os recursos que vêm do petróleo têm sido colocados ao
serviço da industrialização do país, das infra-estruturas, da agricultura, da
pesca, da habitação, entre outros aspectos. A abertura de muitos bancos
privados, a livre circulação nas dezoito províncias do país, o regular
funcionamento de empresas de recolha de lixos (Ambitec, Sanágua, por exemplo), são
também dados importantes. Isto reflecte-se naquilo que Feijó e Paca chamam de
princípio de participação na gestão da administração, uma das mais importantes
conquistas dos Estados modernos no âmbito da actividade pública administrativa
e a correlativa relação com os administrados. Manifesta-se através do poder
reconhecido aos particulares de participarem, de diversos modos, no exercício
da actividade administrativa (arts. 8º, 27º e 52º do Decreto-Lei 16-A/95, de 15
de Dezembro). O nº1 todo o cidadão tem o direito de participar na vida pública
e na direcção dos assuntos públicos, directamente ou por intermédio de
representantes livremente eleitos, e de ser informado sobre os actos do Estado
e a gestão dos assuntos públicos, nos termos da Constituição e da lei, e o nº2
todo o cidadão tem o dever de cumprir e respeitar as leis e de obedecer às
ordens das autoridades legítimas, dadas nos termos da Constituição e da lei e
no respeito pelos direitos, liberdades e garantias fundamentais, do artigo 52º
da Constituição. Este princípio fundamental do cidadão, constitucionalmente
previsto, significa que os cidadãos, para lá dos mecanismos da democracia
representativa, podem participar nas tomadas de decisão intervindo directamente
no funcionamento quotidiano da administração (Lei Constitucional, arts. 3º/2,
10º, 28º, 30º, 50º e 90º, al. k) e Decreto-Lei 16-A/95, nos arts. 8º e 27º)
(Feijó e Paca, 2005).
Sempre a considerar,
Mestre Benvindo Luciano
Sociólogo e Docente Universitário
file://M:CV-Jean Manuel Gonçalves da Silva Actividades Académicas – Academic Activities
“extraído no dia 26/09/08”.