sábado, 10 de janeiro de 2015

Repensar o processo burocrático na administração municipal do Lobito

A administração burocrática, segundo Weber, caracteriza-se, como atrás assinalámos, pela hierarquia (cada funcionário tem uma competência claramente definida dentro da divisão hierárquica do trabalho e é responsável pelo seu cumprimento perante um superior); continuidade (existe uma ocupação remunerada a tempo inteiro, com uma estrutura de carreira que oferece perspectivas de promoção regular); impessoalidade (o trabalho é conduzido segundo regras prescritas, sem arbitrariedades ou favoritismos, e existe um registo escrito de cada transacção); e competência (os funcionários são seleccionados conforme o seu mérito, são treinados para as suas funções e controlam o acesso aos conhecimentos reunidos nos processos). Estes são critérios burocráticos para uma boa administração. Mas a principal característica da burocracia é a divisão sistemática do trabalho, pela qual os complexos problemas administrativos são reduzidos a tarefas viáveis e repetitivas, cada um respeitante a determinado serviço, e depois coordenados sob uma hierarquia de comando centralizado. Este padrão burocrático contribui para a satisfação dos critérios da eficiência.
Perante as patologias de ordem vária que historicamente se foram desenvolvendo no âmbito do aparelho burocrático, a questão que se levanta é: que fazer? A resposta passa pela compreensão exacta da burocracia para, a partir daí, ultrapassar os obstáculos que impedem que os processos de desburocratização sejam eficientes e eficazes. Segundo Piquet Carneiro, a verdade é que, mal ouvem a palavra burocracia, as pessoas começam a sentir-se desconfortáveis: lembram-se de certidões, filas, processos e exigências que não parecem fazer sentido; pressentem a demora para solucionar até problemas simples; sentem-se desamparadas com a falta de informações ou, o que é pior, com informações confusas e desencontradas; antecipam a necessidade de inúmeras idas e vindas ao mesmo lugar, peregrinações pelas repartições etc. Enfim, a burocracia é sinónimo de gastos, muitos gastos em tempo e dinheiro (Carneiro, 2004).
Dray refere que a desburocratização e a eficiência se podem considerar como as chaves do sucesso, único meio de garantir a inovação, a modernidade e a qualidade necessárias para dar corpo aos “princípios formas” e garantir que os “princípios finalidades” sejam alcançados. E o autor acrescenta que para se atingir a desburocratização e a eficiência é necessário actuar de forma sistemática e integrada em quatro vertentes fundamentais: desenvolvimento institucional; organização e gestão; desenvolvimento dos recursos humanos; e tecnologias de informação. Deste modo se pode chegar resultados palpáveis em domínios como a identificação dos procedimentos, o levantamento e racionalização dos circuitos e a formação de pessoal, (Dray, 1995).
A avaliação do trabalho de cada funcionário e, sobretudo, a avaliação de todos os serviços públicos são aspectos essenciais a ter em conta num contexto de desburocratização. Dahrendorf, no seu artigo já acima referenciado, questiona-se também sobre o modo como avaliamos a qualidade dos serviços públicos. Para Dahrendorf, os serviços públicos estão a funcionar quando o Estado é capaz de proteger, regular e responder às necessidades básicas dos cidadãos, necessidades que, na sua essência, são inerentes aos direitos fundamentais (Dahrendorf, 2004).
Outro aspecto tido em conta nos esforços de desburocratização consiste na implementação de medidas adequadas para melhorar o atendimento ao público. Para tanto são dadas aos funcionários orientações no que concerne ao atendimento em cada sector, o que supõe considerar aspectos como o uso de linguagem simples, cumprir o horário estipulado, se for o caso diminuir os documentos exigidos, celeridade no despacho dos requerimentos apresentados pelos cidadãos, etc. Ou seja, mudam-se os procedimentos para mudar a cultura administrativa.
Em suma, segundo Rocha a avaliação científica das políticas públicas esbarra, sistematicamente, com interesses, ideologias, informações e resistências institucionais. Mas claro, não acontece em todos os países pois existem diferenças significativas (...). O uso da avaliação depende de diversos factores: sistema democrático, sistema político competitivo, descentralização das políticas, background educacional e profissional dos políticos e ainda clima de racionalidade e natureza dos assuntos que constituem a agenda política (Rocha, 2010). Segundo Pacatolo trabalhos deverão ter em conta o nível de intervenção dos governos centrais e provinciais nos municípios angolanos para avaliar se a sua repartição tende a ser pro-rico (urbano) ou pro-pobre (rural). A produção de dados estatísticos sobre a realidade socioeconómica e demográfica dos municípios e províncias angolanas é um desafio urgente que precisa ser vencido no curto prazo, para minimizar as dificuldades com que se depara qualquer investigação cientítifica que se quer séria (Pacatolo, 2011).



Sempre a considerar,

Mestre Benvindo Luciano

Sociólogo e Docente Universitário

Efeitos das políticas de descentralização e desconcentração administrativa no município do Lobito

Ortet faz referência ao facto de que o processo de descentralização revela-se importante no sentido em que cria condições necessárias para institucionalizar a participação dos cidadãos na planificação, gestão e aplicação dos projectos do desenvolvimento a nível local, promovendo assim uma maior aproximação entre as autoridades do governo e a sociedade, fazendo com que o governo local se torne mais responsável perante as populações e que estas, conscientes dos problemas que as afectam, possam de algum modo contribuir para a redução da pobreza e para a promoção da igualdade e do equilíbrio social (Ortet, 2008).
O êxito dos processos de descentralização implica a capacidade por parte do poder local de gerir as receitas próprias que lhes são atribuídas. Contudo, tal como já foi referido, a descentralização em Angola está prescrita na Constituição da República de Angola mas não foi concretizada.
Caso ocorresse a descentralização administrativa em Angola, as vantagens para o município do Lobito poderiam ser: a separação e controlo do poder; participação activa dos cidadãos, desde logo nas eleições para os órgãos das autarquias locais; proximidade entre as funções e as acções administrativas por meio de debates, conferências e troca de experiências com as outras administrações; estabilidade; incentivo da diversidade política, cultural e económica; maior resposta aos cidadãos, através da formação e informação municipais (inclusão dos sectores excluídos e marginais em instituições representativas); aumento da eficiência na prestação de serviços nas empresas cuja direcção depende do Governo Central, como a Sonangol, Alfândega, etc.; a aplicação de medidas de racionalidade financeira através das poupanças nos bancos; reforço da democracia através da abertura de debates públicos, livre circulação, tomadas de decisão em determinadas matérias, liberdade religiosa, imprensa, etc. Segundo Feijó e Paca, o sistema descentralizado é de longe o que melhor satisfaz os imperativos do Estado de direito democrático. A história recente indica que o poder da iniciativa local será condição sine qua non para uma democracia satisfatória e estável (Feijó e Paca, 2005).
Em relação à desconcentração, importa distinguir dois tipos – a desconcentração horizontal e a desconcentração vertical. A desconcentração horizontal é aquela que se verifica a nível governamental, quando as diversas competências e atribuições da administração central são repartidas pelos vários departamentos ministeriais e pelas diversas direcções gerais e inspecções gerais dentro de cada ministério; há desconcentração vertical para os níveis regionais e locais: os vários directores gerais delegam poderes de decisões nos seus subordinados locais ou regionais (Machado, 1975)
O município do Lobito está situado no litoral de Angola, dentro da província de Benguela, e é um dos municípios que beneficiou do montante de cinco milhões de dólares que o então ministro do Ministério da Administração e do Território Virgílio Fontes Pereira criou no âmbito da gestão municipal (enquanto órgão executivo desconcentrado da administração local) e este montante vem para atender às necessidades que cada município tem apresentado em áreas como a saúde (remodelações de alguns hospitais e centros de saúde com equipamentos avançados), educação (com as construções de novas escolas/instituto politécnicos), saneamento básico (a existência de empresas privadas de recolha de lixo, a Ambitec e a Sanágua, para além dos funcionários da câmara municipal), ecologia (alguns jardins dentro da cidade), habitação (projectos de carácter nacional de construção de condomínios), turismo (o investimento privado em algumas comunas do município), desporto, segurança social, agricultura, justiça, tudo isto em função do desenvolvimento da sua localidade, demografia, economia, cultura e ambiente. A lei nº30/10, de 9 de Abril, sobre o regime financeiro local, tendo em conta a nova dinâmica que se pretende empreender no processo de desconcentração e descentralização do poder local, a luz da nova Constituição, apresenta a necessidade de se dar um salto qualitativo na organização do sistema das finanças públicas ao nível local estabelecendo para o efeito um novo regime de financiamento das acções dos governos provinciais e das administrações municipais, enquanto órgãos executivos desconcentrados da administração local, no quadro da delimitação de competências relativas à provisão de bens e serviços públicos entre a administração central e as administrações locais e a população. E sobre o regime financeiro, o artigo 5º da mesma lei diz-nos que os governos provinciais e as administrações municipais, enquanto órgãos executivos locais desconcentrados da administração central, dispõem de orçamento próprio, com base no qual lhes são afectados recursos financeiros do Orçamento Geral do Estado, tendo, no âmbito da estrutura do Orçamento Geral do Estado, a categoria de Unidades Orçamentais. E as fontes deste financiamento surgem, segundo aliena a) do artigo 6º da lei acima referida, dos recursos do Orçamento Geral do Estado especialmente consignados, b) das taxas municipais; c) dos recursos do Orçamento Geral do Estado provenientes de impostos e taxas a si consignados com base na arrecadação feita nas respectivas circunscrições; d) afectações da administração central; e a alínea e) donativos eventualmente recebidos directamente. E o incumprimento e a responsabilização das contas, segundo o artigo 19º da lei acima citada, quando as contas não estiverem sido apresentadas nos prazos estipulados ou não forem efectuadas de acordo com as regras e modelos estabelecidos ou ainda quando tiverem graves irregularidades, o ordenador da despesa e o responsável pela área de administração e finanças, ficam sujeitos à responsabilização administrativa, civil e criminal, bem como às sanções previstas na legislação em vigor.
Por um lado a aprovação ou a não aprovação do Orçamento Geral do Estado na Assembleia da República, depende das receitas recursos que o país tem, humano, o petróleo, a madeira, o bronze, o ouro, a agricultura, a pesca entre outros recursos e do sim ou não dos partidos políticos sediado na Assembleia da República. E por outro lado, sobre a responsabilidade fiscal, diz-nos o nº1 do artigo 21º, que os responsáveis, funcionários e agentes administrativos dos governos provinciais e administrações municipais são responsáveis disciplinar, financeira, civil e criminalmente pelos seus actos e omissões de que resulte violação das normas de execução orçamental.
Segundo Pacatolo, as competências das administrações municipais agraupam-se em dois blocos principais, serviços públicos essenciais: promoção da iluminação, distriubuição e a gestão da água e da electricidade (em zonas não cobertas pelas empresas públicas ligadas àqueles sectores); construção, manutenção, apetrechamento em mobiliário, material didáctico e manuais escolares primárias; recolha e tratamento do lixo; estabelecimento e gestão dos sistemas de drenagem pluvial; e a solidariedade social e mobilização sociocultural: aquisição e distribuição de insumos agrícolas em áreas rurais; programas de integração comunitária e de combate à pobreza; assistência social e sanitária; promoção de casas de cultura e biblioteca municipais, bem como garantir o seu apetrechamento em material bibliográfico (Pacatolo, 2011).
O município do Lobito só dará uma resposta positiva às exigências do Governo central face às transferências financeiras caso haja seriedade na fiscalização dos serviços públicos tendo em vista uma adequada prestação de contas. Por sua vez o Governo central tem de fazer um esforço no sentido de estender a responsabilidade dos centros aos serviços, experimentar novas formas de contratos, impulsionar a adopção de medidas de performance, insistir na atenção aos cidadãos/clientes e na qualidade dos serviços públicos, seguindo o exemplo de muitos países que têm tido estas práticas com bons resultados. Só deste modo estará a ajudar a administração local. E o artigo 44º da lei nº17/10 de 29 de Julho faz referência que cabe a Administração Municipal promover e orientar o desenvolvimento económico e social e assegurar a prestação de serviços públicos da respectiva área geográfica de jurisdição.
Com base em dados disponíveis, o grande desafio da desconcentração para a administração municipal do Lobito tem passado pela criação de condições não só económicas e políticas mas também culturais capazes de levar a que sejam assumidas de forma eficaz as responsabilidades financeiras transferida pelo Governo central. Na verdade, em tais responsabilidades está implícita uma exigência política e visto que um dos perigos da desconcentração é a existência duma deficiente formação académica/profissional dos funcionários, incluindo aqueles que têm funções de gestão, é fácil concluir que estamos perante um factor que poderá dificultar a implementação concreta do processo em curso e, por maioria de razão, posteriores medidas de descentralização. Não é possível descentralizar sem que existam os recursos para viabilizar o processo e não é adequado fazê-lo se, dum ponto de vista da cultura administrativa e cívica, não tiver sido atingido um estádio de natureza que permita encontrar, no terreno, os agentes dinamizadores imprescindíveis ao êxito das iniciativas descentralizadoras (Gomes, 2003).
O artigo 40º no âmbito da liberdade de expressão e de informação, nº1 da Constituição da República de Angola, diz-nos que todos os têm o direito de exprimir, divulgar e compartilhar livremente os seus pensamentos, suas ideias e opiniões, pela palavra, imagem ou qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimento nem discriminações. A Constitituição acima citada acrescenta no seu artigo 44º sobre a liberdade de imprensa, nº1 que é garantida a liberdade de uma imprensa, não podendo esta ser sujeita a qualquer censura prévia, nomeadamente de natureza política, ideológica ou artísitica.
Daí que o processo de desconcentração administrativa em Angola teve um pendor preponderante dos órgãos de comunicação social e a opinião pública a seguir os sucessivos debates no Parlamento sobre a emergência da descentralização e desconcentração na administração pública. Na verdade os serviços púbicos em Angola estão muitos centralizados e concentrados. Dada a preocupação dos cidadãos clientes, funcionários governantes e governandos, o governo informou e concretizou com a desconcentração para alguns municípios e o seu resultado servirá para a descentralização administrativa a seguir.
No que tange a abertura e responsabilidade na administração pública, Ackerman salienta que o público pode ser um importante controlador do exército arbitrário do poder pelos governos e este controle pode funcionar, apenas, se o governo informar as suas acções. Os cidadãos devem ter os meios necessários para a apresentação de reclamações e de serem protegidos contra eventuais represálias (...). Há três caminhos para a responsabilização, quer do governo quer do indivíduo. Se o objectivo é pressionar o governo a actuar no interesse público, o papel de ambos, comunicação social e grupos organizados, são importantes. Se o objectivo é a responsabilização do governo junto dos indivíduos, deve ser aberta uma porta para as suas queixas (Ackerman, 2002).

Na abordagem sobre o modelo dos efeitos directos e lineares, Rocha refere que os mass media agregariam os movimentos de opinião pública em propostas políticas coerentes. E Antohony Downs (1972) citado por Rocha acrescenta que a relação entre a opinião pública e o governo não é um processo linear, já que a atenção do público raramente permanece por muito tempo focado sobre um tema, mesmo que envolva um tema importante para a sociedade. Os temas surgem, atingem o auge da atenção pública e mesmo que não resolvidos, desaparecem, gradualmente, eis o esquema da atenção e solução dos problemas: 1. Aparecimento do tema; 2. Entusiasmo eufórico; 3. Consciência dos custos e benefícios; 4. Gradual declínio do interesse do público; 5. Pré-problema ou adormecimento ao problema; 6. Estádio do pré-problema (Rocha, 2010).

Sempre a considerar,
Mestre Benvindo Luciano
Sociólogo e Docente Universitário

A reforma administrativa em Angola

Caiden, citado por Rocha, aponta dois objectivos para a reforma administrativa. O primeiro consiste em melhorar as práticas inadequadas em ordem a melhorar os processos existentes; o segundo implica a substituição do modelo de gestão pública (Rocha, 2001a). A par destes objectivos, o autor acrescenta que a problemática da reforma comporta actualmente duas estratégias: privatização das actividades não essenciais que possam ser prestadas pelo mercado e adopção de instrumentos de gestão destinados a aumentar a eficiência do sistema administrativo[1].
Podemos designar por modernização administrativa os movimentos de mudança na Administração Pública que são orientados para a qualidade, inovação, informação e formação. A modernização é o resultado da reforma. Segundo Kovács (1991), implica mudança nas organizações, de forma a torná-las mais flexíveis, bem como uma nova política de recursos humanos, a qual se caracteriza pelo empenhamento e participação dos trabalhadores da função pública (Rocha, 2001b). As medidas de reforma administrativa são implementadas para todas as administrações de maneira semelhante e os países que apostam nestas medidas pautam-se sempre pela eficiência e eficácia. Estas medidas, refere Dray, passam pela melhoria dos métodos de trabalho, melhoria das condições de trabalho, melhoria no atendimento, melhoria na imagem do serviço, reduzir custos e prazos. Estas medidas acabam por ser actividades essenciais, complementares, interdependentes e indispensáveis para a mudança e para a qualidade administrativa (Dray, 1995)[2].
No âmbito da reforma e modernização administrativa, Corte-Real acrescenta que parece inquestionável que a Administração Pública tem de ser capaz de dar resposta às questões respeitantes à garantia de igualdade dos cidadãos perante a lei; à prestação de serviços de interesse geral, essenciais à comunidade e ao seu equilíbrio social; ao apoio à actividade técnico-normativa do Governo; à condução ou dinamização de projectos estratégicos de desenvolvimento em domínios não lucrativos; e finalmente, ao apoio ao Governo na avaliação e controle das políticas públicas. Leva-nos a entender que a reforma administrativa tem de se reflectir muito na aproximação entre a Administração e o cidadão, apostar na boa gestão pública, na privatização dos serviços públicos e nas novas tecnologias da informação (Corte-Real, 1995), a que Gore se refere igualmente: “ o uso de meios informáticos electrónicos/uma Administração electrónica humanizada” (Gore, 1994).
Aproximar a Administração do cidadão é um objectivo interessante que só resulta quando adequadas medidas políticas tiverem em primeiro lugar melhorado o serviço público em todas as vertentes. Como refere Rocha (2001a), as várias medidas que têm sido tentadas de forma a melhorar o relacionamento entre a Administração e os cidadãos passam pela dinamização da informação, incluindo o marketing público; publicidade institucional, a qual tem por objectivo “vender” os produtos da administração; relações públicas, que estão incumbidas de acolher os cidadãos, encaminhá-los dentro dos serviços e analisar sugestões e reclamações; aconselhamento do cidadão, serviço cuja função consiste na informação, ajuda e protecção dos cidadãos, entre outras medidas já mencionadas anteriormente. Em Angola, muitas destas medidas estão expressas nas Normas do Procedimento e da Actividade Administrativa e na da Deontologia do serviço público. Só assim é que as outras medidas de reforma poderão ter campo de acção.
Segundo Marques as grandes vantagens da reforma, destacam-se o impulso à competitividade, a captação de investimento e o respeito pelos direitos individuais dos promotores (...) e uma forma de libertar a Administração de tarefas inúteis, se for o caso. E é, sobretudo, um factor preventivo dos esquemas paralelos de obter decisões públicas. A eternização dos processos, fazendo-os percorrer, com grande opacidade no caminho e no rítmo, várias entidades administrativas, constitui indubitavelmente um incentivo a formas menos legais de obter uma solução (Marques, 2009).
Gore afirma que a gestão dos serviços públicos tem que assuimir uma clara percepção da missão a cumprir, recorrer mais a incentivos e menos à imposição de regulamentos, adoptar a ideia de que trabalha bem quem consegue obter bons resultados (e não quem se limita a dar estrito cumprimento a regras de procedimento), medir os resultados em função do grau de satisfação do cliente e reflectir devidamente as prioridades orçamentais (Gore, 1994)[3]. Esta perspectiva enquadra-se no movimento de reforma da Administração pública norte-americana que ficou conhecido pela designação de New Performance Review e representa um compromisso entre o chamado New Public Management e o New Public Service.
Gore apresenta-nos quatro princípios fundamentais de boa gestão da Administração Pública: 1. A boa gestão elimina os entraves burocráticos, substituindo sistemas em que as pessoas são responsáveis pelo cumprimento de regras com base na sua opinião e vontade; 2. A boa gestão aposta na satisfação do cliente e, por isso e para isso, cria e aplica mecanismos de conhecimento permanente e rigoroso da sua opinião e vontade; 3. A eficácia só pode ser obtida eliminando a centralização e concentração de poderes, permitindo que as pessoas que estão directamente em contacto com os problemas tenham cada vez mais iniciativas e capacidade de decisão; 4. A boa gestão exige permanentemente reinvenção de métodos, para poupar recursos e melhorar o serviço prestado, recorrendo para isso à reengenharia de sistemas e programas e à avaliação rigorosa dos respectivos resultados (Gore, 1994)[4].
A reforma e modernização administrativa no contexto angolano levantam-nos várias questões: “quando, onde e como reformar, e sobretudo quais os sectores prioritários”, pese embora o país já tenha contemplado algumas mudanças administrativas desde a antiga divisão administrativa até aos nossos dias. A corrupção, a injustiça, a negligência e o excesso da burocracia são aspectos que nalguns sectores administrativos ainda se fazem sentir em Angola. As queixas formuladas e as pesquisas de campo que fizemos apontam que quem quiser montar um negócio tem que proceder na base do paga a este, paga àquele. Outro dos problemas é a morosidade da burocracia e da justiça. A saúde e a educação são sectores fundamentais para ter cidadãos de “mente sã em corpo são”. Daí que são precisas muitas escolas com programas adequados, muitas bibliotecas, muitos hospitais ou serviços de saúde com pessoal vocacionado e acima de tudo que o funcionalismo público tenha valores morais e éticos. Só assim a sociedade se poderá desenvolver de forma harmoniosa e em paz[5].
São variadas as insuficiências que a Administração Pública apresenta em Angola. Mas tal não pode justificar tudo. A Administração Pública tem a responsabilidade de actuar na satisfação das necessidades vitais da sociedade através dos órgãos por si criados para a prossecução de fins públicos. São necessárias reformas urgentes que não fiquem pelas intenções compartimentadas ou sectorizadas, mas sim sejam globais e actuantes e que passem pela mudança de atitude do cidadão. Tal implica, nomeadamente, a definição do perfil dos dirigentes e quadros da Administração Pública, ajustando a sua remuneração ao seu desempenho profissional. Para o cumprimento deste propósito, impõe-se a tomada de medidas jurídico-administrativas no âmbito de reformas adequadas ao desenvolvimento do país e ao crescente aumento das exigências dos cidadãos em prol da qualidade e eficiência da Administração Pública.
Em termos de sectores prioritários, existe em Angola alguma legislação avulsa, porém já bastante para reformar a Administração Pública ou, pelo menos, para melhorar o seu desempenho. O esforço desenvolvido a nível do MAPESS[6] é porém insuficiente porque, em boa verdade, a reforma deverá ser um processo que envolva todas as instituições públicas e obtenha resultados palpáveis.
Para melhorar os serviços públicos em Angola é preciso a privatização de alguns desses serviços. Os serviços públicos hoje prestados pela Administração Pública ainda não são satisfatórios para o cidadão, quiçá por ausência de competitividade dos serviços prestados. Além disso, por razões estruturais, a Administração Pública não tem condições para continuar a abarcar todos serviços públicos do seu exclusivo domínio. Por esta e outras razões, justifica-se que o Estado angolano privatize alguns serviços públicos, como serviços de limpeza nas cidades, saneamento básico, energia, do domínio do Estado um vez que na maioria dos casos apenas representam encargos financeiros. Com as suas privatizações o Estado, para além da melhoria dos serviços, obtém rendimentos fiscais da actividade privatizada. As políticas de privatização do Estado não devem prejudicar o interesse dos cidadãos. Por exemplo, a privatização de todos os serviços de saúde é extremamente perigosa porque se uns, muito poucos, poderão pagar seguros elevados de saúde, outros haverá, uma grande maioria, que a pouco mais poderão ter direito que a uma consulta rápida e depois vão morrer para casa sem direito a tratamento. Algumas actividades poderão eventualmente ser privatizadas, como a recolha e tratamento do lixo. Em termos práticos, isto implica a abertura de serviços privados que se vão especializar e criar emprego. Mas mais uma vez é preciso ter cuidado com o problema da corrupção e não proceder à adjudicação de trabalhos sem concursos públicos e a coberto de práticas ilícitas. Do mesmo modo, importa acautelar a existência dum ensino público que rivalize em qualidade com o ensino privado, garante um serviço de qualidade às crianças e jovens dos vários grupos sociais.
Apostar nos recursos humanos disponíveis e no uso das tecnologias significa uma melhoria da qualidade da prestação dos serviços públicos, permitindo satisfazer mais rapidamente as necessidades colectivas dos cidadãos. O recurso às novas tecnologias de informação e comunicação na Administração Pública, particularmente na gestão dos serviços públicos, contribui para a eliminação das rotinas administrativas desnecessárias praticadas pelos funcionários e agentes administrativos e também muito comum em Angola, bem como para a eliminação da prática da famosa “gasosa[7]”. A introdução das TIC na Administração Pública pode contribuir para uma gestão transparente dos meios gastos à sua disposição e dos serviços prestados ao cidadão. Porque o óbvio é que na era da informática é preciso apostar nas novas tecnologias para modernizar o sector público desde que seja dada formação adequada e que os programas funcionem. De que serve um código de acesso à minha situação fiscal se levo horas ou dias para conseguir entrar no sistema? Não será mais rápido ir ao guichet, apesar das filas intermináveis[8]?
Por isso, Burke afirma que uma reforma não se faz para criar um Estado novo mas sim para conservar. Só é possível reformar quando há imitação. A reforma, diz ainda Burke, é um processo que, depois de identificar a parte que lhe falta, se limita a reformar tal parte (Burke, 1967). E Rodrigues acrescenta que a boa reforma administrativa está ligada à ideia de um Estado competente, à boa governabilidade e esta exige, entre outros, os seguintes requisitos: a) uma economia de mercado regulada e que, de forma justa e equitativa, contribua para o bem-comum; b) uma aturada visão estratégica que determine as missões, os grandes objectivos e as políticas públicas ajustadas às necessidades sociais; c) uma descentralização e desconcentração graduais e ajustadas aos interesses das populações e dentro de regras de economia de meios; d) um exercício eficaz da justiça; e) uma participação mais efectiva da população no desenvolvimento comunitário; f) uma atenção permanente aos gastos públicos e à relação destes com o benefício associado; g) capacidade de liderança dos dirigentes da Administração e comprometimento com os objectivos de desenvolvimento em desfavor da ordem burocrática, tida muitas das vezes como um fim em si próprio; h) co-responsabilização entre Estado, sociedade civil e sector privado no alcance da eficiência e eficácia do desenvolvimento; i) transparência no processo da decisão administrativa; j) identificação das necessidades sociais (por métodos científicos) (Rodrigues, 2000).
Quanto ao mau aproveitamento dos Recursos Humanos, Martins salienta que as regras que regem a organização do pessoal de qualquer país que vise a modernização inserem-se em cinco categorias: o homem certo para o lugar certo; a optimização dos recursos; a busca da qualidade em vez da quantidade, a inovação e a criatividade e; a produtividade (Martins, 2007).

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Mestre Benvindo Luciano
Sociólogo e Docente Universitário



[1] Conferência proferida no Porto em 30 de Maio e organizado pelo Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública (2001b).
[2] Consultar também obre esta matéria em Isabel Corte-Real (1995), Al Gore (1994) entre outros.
[3] Um breve reparo do o relatório de Al Gore sobre o estado da Administração Pública americana e as opções para a sua reforma.
[4] Ver também em Catalã, (2005).
[5] Uma abordagem feita não de pesquisa de campos como também de conversa com pessoas que directa ou indirectamente seguem o processo administrativo angolano.
[6] MAPESS – Ministério de Administração Pública e Emprego e Segurança Social.
[7] Gasosa é o termo atribuído em Angola para aquelas práticas menos lícitas ou seja o dinheiro sujo.
[8] Inquietações levantadas pela Dra. Adelaide Abrantes, que não fogem tanto da realidade angolana.

Repensar o processo burocrático na administração municipal do Lobito

A administração burocrática, segundo Weber, caracteriza-se, como atrás assinalámos, pela hierarquia (cada funcionário tem uma competência claramente definida dentro da divisão hierárquica do trabalho e é responsável pelo seu cumprimento perante um superior); continuidade (existe uma ocupação remunerada a tempo inteiro, com uma estrutura de carreira que oferece perspectivas de promoção regular); impessoalidade (o trabalho é conduzido segundo regras prescritas, sem arbitrariedades ou favoritismos, e existe um registo escrito de cada transacção); e competência (os funcionários são seleccionados conforme o seu mérito, são treinados para as suas funções e controlam o acesso aos conhecimentos reunidos nos processos). Estes são critérios burocráticos para uma boa administração. Mas a principal característica da burocracia é a divisão sistemática do trabalho, pela qual os complexos problemas administrativos são reduzidos a tarefas viáveis e repetitivas, cada um respeitante a determinado serviço, e depois coordenados sob uma hierarquia de comando centralizado. Este padrão burocrático contribui para a satisfação dos critérios da eficiência.
Perante as patologias de ordem vária que historicamente se foram desenvolvendo no âmbito do aparelho burocrático, a questão que se levanta é: que fazer? A resposta passa pela compreensão exacta da burocracia para, a partir daí, ultrapassar os obstáculos que impedem que os processos de desburocratização sejam eficientes e eficazes. Segundo Piquet Carneiro, a verdade é que, mal ouvem a palavra burocracia, as pessoas começam a sentir-se desconfortáveis: lembram-se de certidões, filas, processos e exigências que não parecem fazer sentido; pressentem a demora para solucionar até problemas simples; sentem-se desamparadas com a falta de informações ou, o que é pior, com informações confusas e desencontradas; antecipam a necessidade de inúmeras idas e vindas ao mesmo lugar, peregrinações pelas repartições etc. Enfim, a burocracia é sinónimo de gastos, muitos gastos em tempo e dinheiro (Carneiro, 2004).
Dray refere que a desburocratização e a eficiência se podem considerar como as chaves do sucesso, único meio de garantir a inovação, a modernidade e a qualidade necessárias para dar corpo aos “princípios formas” e garantir que os “princípios finalidades” sejam alcançados. E o autor acrescenta que para se atingir a desburocratização e a eficiência é necessário actuar de forma sistemática e integrada em quatro vertentes fundamentais: desenvolvimento institucional; organização e gestão; desenvolvimento dos recursos humanos; e tecnologias de informação. Deste modo se pode chegar resultados palpáveis em domínios como a identificação dos procedimentos, o levantamento e racionalização dos circuitos e a formação de pessoal, (Dray, 1995).
A avaliação do trabalho de cada funcionário e, sobretudo, a avaliação de todos os serviços públicos são aspectos essenciais a ter em conta num contexto de desburocratização. Dahrendorf, no seu artigo já acima referenciado, questiona-se também sobre o modo como avaliamos a qualidade dos serviços públicos. Para Dahrendorf, os serviços públicos estão a funcionar quando o Estado é capaz de proteger, regular e responder às necessidades básicas dos cidadãos, necessidades que, na sua essência, são inerentes aos direitos fundamentais (Dahrendorf, 2004).
Outro aspecto tido em conta nos esforços de desburocratização consiste na implementação de medidas adequadas para melhorar o atendimento ao público. Para tanto são dadas aos funcionários orientações no que concerne ao atendimento em cada sector, o que supõe considerar aspectos como o uso de linguagem simples, cumprir o horário estipulado, se for o caso diminuir os documentos exigidos, celeridade no despacho dos requerimentos apresentados pelos cidadãos, etc. Ou seja, mudam-se os procedimentos para mudar a cultura administrativa.

Em suma, segundo Rocha a avaliação científica das políticas públicas esbarra, sistematicamente, com interesses, ideologias, informações e resistências institucionais. Mas claro, não acontece em todos os países pois existem diferenças significativas (...). O uso da avaliação depende de diversos factores: sistema democrático, sistema político competitivo, descentralização das políticas, background educacional e profissional dos políticos e ainda clima de racionalidade e natureza dos assuntos que constituem a agenda política (Rocha, 2010). Segundo Pacatolo trabalhos deverão ter em conta o nível de intervenção dos governos centrais e provinciais nos municípios angolanos para avaliar se a sua repartição tende a ser pro-rico (urbano) ou pro-pobre (rural). A produção de dados estatísticos sobre a realidade socioeconómica e demográfica dos municípios e províncias angolanas é um desafio urgente que precisa ser vencido no curto prazo, para minimizar as dificuldades com que se depara qualquer investigação cientítifica que se quer séria (Pacatolo, 2011).

Sempre a considerar,

Mestre Benvindo Luciano

Sociólogo e Docente Universitário

A desburocratização como processo de transição para a democracia em Angola

Segundo Piquet Carneiro, desburocratização significa não só eliminação ou redução de exigências legais e administrativas cujos custos se revelem desproporcionais à capacidade dos cidadãos e das empresas de atendê-las, mas também o combate sistemático à centralização administrativa que está na génese todos os outros males. Ao contrário da burocracia, cujo termo se associa à ideia de excesso de papel, de exigências e de formalidades (Carneiro, 2004).
No contexto angolano, a desburocratização é uma via para aprofundar o processo de democratização, processo que já passou pelas eleições legislativas e presidenciais de 1992 e as eleições legislativas de 2008 ganhas pelo MPLA. A consolidação na prática do processo de democratização implica o empenhamento dos partidos políticos em tal sentido. Segundo o nº1 do artigo 17º, da Constituição da República de Angola, os partidos políticos no quadro da presente Constituição e da lei, concorrem, em torno de um projecto de sociedade e de um programa político, para a organização e para a expressão da vontade dos cidadãos, participando na vida política e na expressão do sufrágio universal, por meios democráticos e pacíficos, com respeito pelos princípios da independência nacional, da unidade nacional e da democracia política. O nº4 do mesmo artigo refere que os partidos políticos têm direito a igualdade de tratamento por parte das entidades que exercem o poder público, direito a um tratamento imparcial da imprensa pública e direito de oposição democrática, nos termos da Constituição e da lei. Por sua vez o nº1, do artigo 2º estabelece que a República de Angola é um Estado democrático de direito que tem como fundamentos a soberania popular, o primado da Constituição e da lei, a separação de poderes e interdependência de funções, unidade nacional, o pluralismo de expressão e de organização política e a democracia representativa e participativa; o nº2, a República de Angola promove e defende os direitos e liberdades fundamentais do homem, quer como individuo quer como membro de grupos sociais organizados, e assegura o respeito e a garantia da sua efectivação pelos poderes legislativo, executivo e judicial, seus órgãos e instituições, bem como por todas as pessoas singulares e colectivas.
No processo de transição para a democracia em Angola, a desburocratização surge para desenvolver não apenas a economia do país como também garantir o aprofundamento e a solidificação do sistema democrático. A liberdade de escolha, de expressão, de religião, o direito de escuta, a livre circulação de pessoas e bens, a expansão dos serviços públicos em muitos os sectores são condições de base para a desburocratização. O nº1, do artigo 198º da Constituição da República de Angola refere que a administração pública prossegue, nos termos da Constituição e da lei, o interesse público, devendo, no exercício da sua actividade, reger-se pelos princípios da igualdade, legalidade, justiça, proporcionalidade, imparcialidade, responsabilização, probidade administrativa e respeito pelo património público. Os mesmos princípios constam também no Decreto-Lei nº3/10, que estabelece a Lei da Probidade Pública, no artigo3º. Tudo isto, com a finalidade de dar solução dos problemas sociais dos cidadãos e aproximá-los cada vez mais os serviços públicos.
Os princípios democráticos são muito exigentes na sua aplicação prática. Todas as democracias, embora respeitem a vontade da maioria, protegem escrupulosamente os direitos fundamentais dos indivíduos e das minorias. Quanto aos governos a nível regional e local, supõe-se que sejam tão acessíveis e receptivos às pessoas quanto possível[1]. Pasquino afirma que a democracia, entre outras coisas, é a forma política que, ao longo dos tempos, revelou maior capacidade de adaptação a condições diversas e de aprendizagem, assim como maiores potencialidades de transformação (Pasquino, 2005).

Sempre a considerar,

Mestre Benvindo Luciano

Sociólogo e Docente Universitário



[1] http://www.embaixada-americana.org.br/democracia/what.htm

A OPÇÃO PELA DESCONCENTRAÇÃO ADMINISTRATIVA EM ANGOLA

No caso angolano, as grandes orientações em matéria de descentralização administrativa constam de documentos de estratégia aprovados pelas estruturas de poder ainda sem concretização nas políticas em curso. Pelo contrário, em matéria de desconcentração a evolução tem sido significativa.
Com o objectivo de combater a centralização, o MPLA, o partido no poder desde a independência, lançou um conjunto de programas tendo em vista:
- tornar prioritária a desconcentração administrativa, nomeadamente nos órgãos e serviços da administração periférica do Estado, garantindo a extensão e consolidação da presença e autoridade do Estado em todo o território nacional;
- promover, a seguir à fase da desconcentração, a descentralização administrativa e a institucionalização das autarquias locais;
- adoptar um programa global, faseado e gradual de implementação de uma Administração local autárquica, abrangendo medidas legislativas, materiais e de desenvolvimento de recursos humanos de curto, médio e longo prazos;
- promover, por um lado, a coordenação entre as diferentes estruturas da Administração Pública e, por outro, a implementação gradual do processo de transferência de atribuições e competências e a diminuição da intensidade do vínculo por parte da administração periférica;
- assumir como princípios fundamentais para a institucionalização do poder local os seguintes: a) a autonomia local abrangendo não só as autarquias locais mas também as instituições organizatórias do poder tradicional e outras formas de participação democrática dos cidadãos; b) o reconhecimento constitucional das instituições organizatórias do poder tradicional e do costume como fonte de direito, nos termos da lei; c) a clarificação das funções das autarquias locais e das instituições do poder tradicional; d) a promoção do associativismo e o incentivo à participação individual a nível local.
- adoptar um programa sério e credível de formação, capacitação e gestão previsional de recursos humanos para a Administração;
- promover uma solução política, jurídica, económica e social que tenha em conta as especificidades de Cabinda no quadro do Estado unitário e nos limites impostos pela Constituição da República[1].
Deste programa só a desconcentração dos recursos financeiros se concretizou com a criação em 2008 pelo então ministro do Ministério da Administração e do Território, Virgílio Fontes Pereira no âmbito do fundo de gestão municipal foram criados 3 tipos de municípios A, B e C, os do tipo A e B beneficiaram, numa fase experimental de cinco milhões de dólares, 2009 para 68 dos 163 municípios existentes em Angola, para diversos fins, nomeadamente no domínio da saúde, educação, saneamento básico, ambiente (componente dos jardins) e habitação, em poucos dizeres, estes recursos visam complementar as acções gerais do governo, mas cuja concretização ficou-se na ordem dos 10 a 15% e os da C não.
Pacatolo refere que os órgãos da administração local do Estado são considerados unidades orçamentais e, nesta condição, recebem doações orçamentais do governo central para executar de acordo com as políticas definidas central e localmente. Estas doações orçamentais são denominadas de “quotas financeiras” e a sua atribuição é feita com elevado grau de discricionariedade política dos órgãos de tutela. E os municípios de regiões petrolíferas e diamantéferas são beneficiados financeiramente pelas receitas consignadas derivadas das receitas fiscais associadas à exploração daqueles recursos minerais, para além de terem acesso, como os demais municípios, a outras receitas consignadas. Esta situação agrava a disparidade fiscal orçamental entre os municípios angolanos (Pacatolo, 2011). E o município do Lobito é um dos municípios que beneficia das receitas dos petróleos, diamantes e bronzes angolanos.
As políticas em Angola podem ser explicadas pela hierarquia entre o Presidente da República, os membros da Assembleia da República e a Sociedade Civil. Deste último surge a pressão eleitoral e o Presidendete da República rm função da pressão social estabelece na sua agenda e problemas medidas políticas que permitam a estabilidade macroeconómica, o desenvolvimento humano e a segurança pública. E as decisões políticas são tomadas na Assembleia da República através de uma medida política debatida pelos membros de diferentes partidos políticos que representam os cidadãos na Assembleia. Para a concretização destas políticas, o governo conta com as ONG´s, Igrejas, associações lucrativas, voluntariados e a sociedade civil no geral para fortalecer e estabelecer o bem-estar social, a justiça e a segurança.
Porém, o processo de desconcentração acarreta sérias exigências no que diz respeito à celeridade do procedimento administrativo e à responsabilização dos serviços públicos. Tal supõe o cumprimento das normas relativas ao procedimento e à actividade administrativa, constantes do Decreto-Lei nº16-A/95. O artigo 31º deste diploma (Dever de celeridade) dispõe que os órgãos da Administração Pública devem providenciar pelo rápido e eficaz andamento do procedimento, recusando o que for impertinente ou dilatório e promovendo o que for necessário para uma justa e oportuna decisão. Por sua vez o artigo 33º (Audiência dos interessados) estabelece que os órgãos administrativos podem ordenar a notificação dos interessados para se pronunciarem acerca de qualquer questão em qualquer fase do procedimento.
Feijó e Paca assinalam que, embora o Decreto-Lei nº16-A/95 não faça referencia expressa a que não basta que a Administração Pública prossiga formalmente o interesse público, deve entender-se também como necessário que a solução encontrada para cada caso e em cada momento tenha em atenção as exigências decorrentes da obrigação de boa administração. A Lei nº17/90, de 20 de Outubro estipula no seu artigo 1º (Princípios fundamentais): 1. A administração pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos; 2. Os órgãos e os agentes administrativos estão subordinados à lei e devem actuar com justiça e imparcialidade no exercício das funções (Feijó e Paca, 2005)[2].
A observação da realidade angolana mostra que o sucesso da desconcentração administrativa implica a criação de condições de base: salários em dia, formação superior dos técnicos de contas/gestores financeiros, aposta séria na fiscalização adequada, diminuição da burocracia, ética nos serviços administrativos, prémios de bom desempenho, prestação de contas por parte dos municípios, responsabilização das administrações locais pelo mau serviço/má gestão financeira, avaliação da qualidade dos serviços oferecidos aos cidadãos. Cabe aos municípios que beneficiam das transferências financeiras proceder a uma rigorosa gestão das verbas disponibilizadas pelo Governo central. O objectivo de melhorar a relação com os munícipes/cidadãos enquanto clientes e enquanto cidadãos participativos surge neste contexto como fundamental. A lei nº17/90, de 20 de Outubro enfatiza no seu artigo 5º (Deontologia do Serviço Público), que no exercício das suas funções os funcionários e os agentes da administração do Estado estão exclusivamente ao serviço do interesse público, devendo actuar com urbanidade e respeito à lei nas suas relações com os cidadãos[3].
Um aspecto fundamental a ter em conta é, necessariamente, o da avaliação. A ausência de uma cultura de avaliação dificulta não só a criação mas sobretudo o efectivo funcionamento de estruturas que assegurem uma adequada prestação de contas (accountability).
Outro aspecto a ter em conta nesta mesma ordem de ideias é a pergunta “quando é que os serviços públicos estão a funcionar?” que Dahrendorf levanta num dos seus artigos. Para Dahrendorf, a questão é muito mais complicada do que parece. Em alguns casos, a resposta parece simples: se os comboios cumprem os horários, funcionam. Mas é isto que realmente queremos dos nossos comboios? De certeza que não. Devem também ser seguros e razoavelmente confortáveis. Devem não só chegar a horas, como na altura certa e com intervalos razoáveis. Mais importante ainda, devem ser acessíveis. À medida que esta lista de critérios vai crescendo, torna-se evidente que a componente mais facilmente medida, a pontualidade, é apenas uma das características desejáveis, e não necessariamente a mais significativa. Dahrendorf caracteriza, exemplificando, situações de mau funcionamento: cortar a lista de espera levou os médicos a tratarem das doenças menos importantes mais rapidamente, deixando os que sofrem de doenças graves completamente fora da lista; o rápido aumento dos alunos universitários levou à redução dos critérios de admissão e da qualidade final dos licenciados; reduzir o crime de rua levou a polícia a deixar pura e simplesmente de reagir a certos delitos. O bom serviço público é o contrário disto (Dahrendorf, 2004).

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Mestre Benvindo Luciano
Sociólogo e Docente Universitário




[1] V Congresso do MPLA, em 2004.
[2] Cfr. Detalhadamente na nova Constituição da República de Angola, no nº1 e 2 do artigo 198º.
[3] Citado por Marques (2007).

ANTIGA DIVISÃO ADMINISTRATIVA EM ANGOLA

Polissier afirma que Angola tem um percurso político-administrativo não muito fácil de perceber, fruto de uma longa caminhada histórica conturbada. Podemos caracterizar este fenómeno político-administrativo, sem rigor, em três períodos: antes, durante e depois da Independência em 11 de Novembro de 1975. assim, já muito antes da chegada dos navegadores portugueses, em 1482, havia no território que hoje denominamos por Angola uma organização político-administrativa, que tinha como fundamento o poder tradicional local: o rei, os sobas e outros conselheiros organizavam a distribuição das parcelas de terra consoante o número do agregado familiar, determinavam taxas para as trocas comerciais entre as pessoas da mesma localidade e com aqueles que viviam mais distantes. Resolviam ainda os conflitos de âmbito mais restrito (divórcios, intrigas) e promoviam a reconciliação entre os desavindos, ou mesmo com âmbito mais alargado. Como verdadeiros juízes aplicavam as sentenças apropriadas aos casos (Polissier, 1986).
Durante o período da ocupação colonial, a administração política colonial aplicou o modelo existente à época em Portugal aos reinos que foram ocupando. Com isto, o poder tradicional foi-se diluindo, perdendo cada vez mais influência directa nas populações locais. O rei deixou de ser o ponto de referência para ser o porta-voz do poder colonial, cujo poder militar contribuiu decisivamente para o enfraquecimento da autoridade tradicional. Um novo período político-administrativo começou com a proclamação da independência em 11 de Novembro de 1975 e a adopção do regime monopartidário de inspiração marxista, liderado pelo MPLA. Actualmente Angola pode considerar-se uma democracia em crescimento, embora haja ainda o fenómeno da partidarização das instituições do Estado.
Em termos de divisão administrativa, abordaremos os reinos mais influentes na administração angolana, nomeadamente, o Reino do Congo, o Reino do Ndongo, o Reino dos Dembos e o Reino Ambundo.
 De uma forma geral, todos os sistemas políticos tradicionais da África ao Sul do Sahara têm a sua origem na família alargada, que pode abarcar uma ou várias aldeias. Estas, por sua vez, dão origem aos clãs, chefiados por um patriarca. O seu poder era relativo porque não podia decidir a seu bel-prazer: devia sempre consultar um conselheiro. As decisões eram tomadas de forma democrática, se bem que em tempos de crise, de guerras ou de fome, o poder do chefe chegava ao absolutismo e à tirania.
A estrutura dos clãs é transportada para os reinos e impérios, que eram unidades territoriais mais abrangente, cuja forma de governo correspondia a forma monárquica. O Reino do Congo ou Império do Congo foi o primeiro Reino africano localizado no Sudoeste de África, no território que hoje corresponde ao Norte de Angola, Cabinda, incluindo a República Democrática do Congo, a parte Ocidental da República Democrática do Congo e ainda o Centro Sul do Gabão. Este Reino foi fundado, no século XIII, por um monarca, chamado Ntinu Wene. É difícil calcular a população desta área, mas alguns estudiosos estimavam-na em cerca de dois milhões de habitantes (Altuna, 2006).
Mais ao Sul do Reino do Congo havia o Reino do Ndongo, que compreendia as províncias de Luanda, Bengo, Malanje, Kuanza Sul e Norte. Este Reino era governado por “Ngola Kiluanji”. Etimologicamente o termo “Ngola” tem a sua raiz no termo “Ngolo” que em kimbundo[1] significa “Força”. Portanto, pertencer ao Reino dos Ngolas significa ter forças para empreender acções notáveis. Ngola Kiluanje governava por meio de coligação com os pequenos reinos vizinhos. Este Reino resistiu à ocupação colonial durante várias décadas. Ngola Kiluanje morreu decapitado em Luanda. Sucedeu-lhe a sua irmã Nzinga Mbandi, imortalizada como Rainha Nzinga Mbandi[2]. Também ela manteve a coligação com os reinos: Matamba, Kassanje, Dembos e Kissamas. Numa altura em que Portugal se debatia com o problema da ocupação espanhola, ficando as colónias para o plano secundário, a Rainha assinou um acordo com os holandeses e reduziram a presença portuguesa a Massangano. O Reino foi tomado pelos portugueses em 1771 (Altuna, 2006).
O termo Dembos na língua local/regional, o kimbundu, significa “Autoridade”. Polissier diz-nos que os Dembos eram poderosos, nem sequer se sabendo ao certo quantos eram, pois havia dezenas de anos que as autoridades coloniais não penetravam nas suas aldeias. Em retribuição aos Dembos vassalos, as autoridades portuguesas, por meio do artigo 15º do Regimento dos Capitães-mores de 1763 concediam o título de “governadores” das suas terras e do povo, por meio de leis próprias; em contrapartida os Dembos pagavam anualmente impostos à Junta da Fazenda. Eis os nomes dos Sobas que se tornaram vassalos: - Caculo Cacahenda, este tinha na sua região 21 000 pessoas; - Ngombe Amuquiana, com 11.850 pessoas; - Cazuangongo, com 8 200 pessoas; - Quibaxe Quiamubemba, etc. A frequência e a fidelidade na colaboração com as autoridades coloniais determinavam o grau de confiança que se dava aos Dembos (Polissier, 1986).
Um pouco a Sul dos Dembos encontrava-se o Reino Ambundo, que hoje corresponde a região onde ficam situados os municípios do Golungo Alto e Quilengue. Era uma região muito populosa, vivendo aí cerca de 130 Sobas fiéis ao poder colonial, ao qual pagavam o imposto. A cristianização desta região permitiu a formação duma classe de pessoas instruídas e assimiladas que mais tarde foram utilizados como intermediários nas trocas comerciais. Era tal a influência dos ambaquistas assimilados diante dos colonos que podiam maltratar o simples indígena, mesmo que fosse um Soba (Polissier 1986).
Os assimilados eram os mais fiéis colaboradores no tráfico de escravos, porque podiam penetrar lá onde os europeus não chegavam. Por isso esta região de Ambaca foi considerada um viveiro de homens livres e auxiliares, o motor intelectual do Reino de Angola. De lá saiam os secretários para as cortes de Angola, os intermediários e outros elementos eram considerados indispensáveis para o bom funcionamento das trocas comerciais, não só de Angola como também de uma parte da África Central. Poder-se-ia ainda continuar a falar de outros reinos de Angola, Reino do Bailundo, do Cuanhama, dos Nganguelas, dos Hereros, dos Nhanecas-Humbe, descrevendo o modo como funcionavam as administrações locais, mas como exemplo bastam os quatros reinos acima mencionados (Francisco, 1986).
Distinguem-se duas categorias de autoridades tradicionais – os que permaneceram fiéis aos princípios de governação tradicional e os que se renderam imediatamente ao poder colonial. Segundo Altuna, um verdadeiro chefe tradicional era um líder, um símbolo de unidade, um guardião das tradições do seu povo, e fomentava a coesão no clã, tribo ou reino. Orientava as estruturas sócio-político-religiosas com o seu carisma e contava com o apoio gerontocrático, cuja função era procurar o bem comum da comunidade. O chefe devia lealdade ao seu povo, por isso em situações de guerra e de derrota iminente preferia suicidar-se a render-se ao inimigo. Foi o caso de Ndunduma, Rei do Bailundo, que prevendo a derrota numa batalha (Século XVII) tomou a célebre decisão de se suicidar, em sinal de lealdade. Pelo contrário havia os que se rendiam ao poder colonial tornando-se vassalos. Estes juravam fidelidade e obediência ao Rei ou á Rainha de Portugal, prometiam defender os portugueses dos seus inimigos em tempo de guerra, deviam acolher os missionários e os funcionários portugueses, capturar ou expulsar os desertores e os escravos foragidos e fornecer trabalhadores para as caravanas portuguesas, colocando-os totalmente ao serviço dos comerciantes (Altuna, 2006).

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Mestre Benvindo Luciano,
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[1] O kimbundu é uma das línguas maternas do Norte de Angola.
[2] Nzinga Mbandi era ainda considerada política ardilosa, fez vários acordos comerciais com os portugueses e substituiu a filosofia da guerra pela filosofia do comércio.

GOVERNANÇA, POLÍTICAS PÚBLICAS E CIDADANIA EM ANGOLA

A governança pode ser definida como um modo de governação que permite ao mercado operar e viabilizar a participação activa dos cidadãos nas tomadas de decisão (Gomes, 2003). A governança supõe, em última análise, um governo mais atento aos limites da sua esfera de acção e que saiba trabalhar com eficácia no âmbito dos parâmetros estabelecidos.
A governança comporta os requisitos institucionais para a optimização do desempenho administrativo, isto é, o conjunto de instrumentos técnicos de gestão que assegure a eficiência e a democratização das políticas públicas. Segundo Diniz, citado por Gonçalves da Silva, o termo envolve a capacidade da acção estatal na implementação de políticas para a consecução de metas colectivas. Refere-se ao conjunto de mecanismos e procedimentos para lidar com a dimensão participativa e plural da sociedade, o que implica expandir e aperfeiçoar os meios de interlocução e de administração do jogo de interesses. A partir desta definição, pode aferir-se a qualidade da governança. Entende-se como boa governança o conjunto de acções por parte do governo que assegure a eficiência e a democratização das políticas públicas. Já a falha do governo em administrar os seus instrumentos técnicos de gestão para o bem dos seus governos é denominada má governança[1]. O termo governança leva-nos às condições de governabilidade/governo estável, ou seja, a capacidade de gerir de forma estável e eficaz a coisa pública. O modelo de governabilidade supõe a descentralização e desconcentração na administração pública, aplicação de modelos gestionários e a desburocratização. De acordo com Catalã, citado por Martínez, a governabilidade refere-se à capacidade de uma determinada sociedade em enfrentar positivamente os desafios e as oportunidades que se apresentam num momento determinado. O sistema é governável quando está estruturado sociopoliticamente de modo tal que todos os actores estratégicos se interrelacionam e resolvem os seus conflitos segundo um sistema de regras e de procedimentos formais ou informais – instituições – dentro do qual formulam as suas expectativas e estratégias (Martínez, 2005).
Martínez diz-nos que a governança implica, pois, uma forma nova e diferente de governar, caracterizada pela interacção entre uma pluralidade de actores, as relações horizontais (governante e o cidadão), a busca de equilíbrio entre o poder público e a sociedade civil e a participação do governo e da sociedade em geral, e de um único actor, seja este político, económico, social ou cultural. Esta mesma governança obedece aos princípios de participação, transparência, prestação de contas ou accountability, eficácia e coerência.
A avaliação da governança passa necessariamente pela implementação das políticas públicas – as acções que o governo realiza com o objectivo de atingir os caminhos estabelecidos e que serão efectuadas pela Administração Pública. As políticas públicas são implementadas para todos e devem surgir da união da sociedade civil organizada, partidos e governo, que traçam juntos os destinos da nação; passa também pela participação activa do indivíduo nos assuntos do Estado (cidadania). Tal é o verdadeiro sentido da democracia. Esta mesma participação é exercida pelo voto nas eleições e nas tomadas de decisão acerca dos temas de interesse público, como por exemplo ao participar na selecção das políticas públicas.
No plano africano, os problemas do subdesenvolvimento humano, crescimento económico disperso, corrupção, abuso do poder, as falhas no funcionamento dos sistemas administrativos, tais como a saúde, educação, habitação, serviço comunitário/social, explicam-se por causa da não consolidação política dos Estados (muitos países ainda vivem no rescaldo de conflitos étnicos e religiosos) e pela não aplicação de adequados modelos técnicos de gestão pública. Isto pode-se traduzir na ausência de boa governança. Segundo Gomes, podemos dizer, em síntese, que o risco para a governança resulta, por um lado, das falhas na articulação entre o plano da representação política e o plano das negociações sectoriais e, por outro lado, das tensões crescentes entre a lógica pura e dura da economia de mercado e uma lógica de radicalidade democrática (Gomes, 2003).
A ideia de governança numa Angola pós independência é muito recente visto que o país viveu muitos anos de guerra civil (antes e depois de 1992, com as eleições presidenciais de Setembro desse mesmo ano). A estrutura do Estado encontrava pouco campo de acção para estabelecer os seus fins, e os cidadãos não participavam activamente nas tomadas de decisão política. Com o Acordo de Paz assinado a 4 de Abril de 2002 e as eleições legislativas de 5 de Setembro de 2008 (dezasseis anos depois), fruto duma democracia em amadurecimento, o Estado tem procurado ser eficiente e transparente na implementação das políticas públicas. De igual modo, procurou criar as condições para os cidadãos exercerem os seus direitos e deveres, por meio de votos, esperando assim a sua participação mais activa.
Será saudável que um país como Angola, que se encontra em fase de reconstrução, aproveite as vantagens da governança para o bem da população do país e dos países que estão à sua volta. Rosembaum, citado por Gomes, refere as vantagens que a governança parece apresentar, desde que não conduza à criação duma espécie de “muro de Berlim” entre os diferentes níveis de administração. Em tese, a governança permite reforçar o sistema de checks and balances do Estado de direito; leva à criação dum espaço suplementar de participação cívica e à emergência de instituições da sociedade civil; oferece novas oportunidades e recursos para a intervenção de partidos políticos de oposição ao governo; cria espaços de aprendizagem para o desenvolvimento de competências e práticas democráticas; dá mais opções aos cidadãos quanto à prestação pelos serviços públicos do que lhes é solicitado; permite combinar uma certa uniformidade com a necessidade de fazer adaptações locais e, assim, estar mais em consonância com os interesses das populações; confere um maior sentimento de eficácia política ao conjunto dos cidadãos, que tendem a reagir mais positivamente a um governo que lhes está próximo; enfim, oferece melhores possibilidades às iniciativas económicas locais (Gomes, 2003).
Sabemos que, em termos gerais, as políticas púbicas são orientações e directrizes que a Administração Pública deve seguir para atingir o bem comum, tendo por objecto assuntos de interesse geral. Neste contexto, o governo é o órgão máximo e a administração apresenta uma conduta hierarquizada como meio para atingir os objectivos traçados pelo governo. Dornelas frisa que as políticas públicas têm como função manifesta a afectação de recursos – com ou sem relação com as disfuncionalidades de mercado; a redistribuição de benefícios, políticas activas, assistência, dispositivos de promoção, estabilização e regulação de actividade económica e integração social. E, como função latente, imposição de limites à desorganização social, produção de normas de referência, aprendizagem institucional, reformas da arquitectura institucional do Estado e legitimação das instituições (confiança, diminuição de tensão, etc.)[2]. Cabe ao Estado realizar várias actividades em prol da colectividade, devendo para tanto traçar um planeamento estratégico, elegendo prioridades e metas governamentais, bem como a escolha dos meios adequados para a consecução do bem comum, visto que, segundo Chevallier, o Estado não é só uma organização territorial mas a expressão da vontade colectiva da nação (Chevallier, 1999).
Um exemplo concreto das actividades colectivas do Estado é o do Estado-Providência e as suas sucessivas reformas. Mozzicafreddo refere que a reforma do modelo de funcionamento do Estado-Providência, nomeadamente nos mecanismos de concertação social, deveria assentar em princípios básicos de regulação da sociedade, tais como a existência de um compromisso social e económico assumido e interiorizado entre os parceiros sociais e o sistema político no seu conjunto, não apenas do impasse em que se encontra o país, mas também no sentido de alterar as políticas casuísticas – de compensações sociais e financeiras e de soluções parcelares e imediatas – por uma acção reguladora e estruturadora das actividades económicas e sociais. A reforma social não pode negligenciar a necessidade de introduzir princípios de selectividade nos sistemas de protecção social, de contenção dos gastos públicos e de racionalização da administração pública, por forma a estabelecer um sistema com maior equidade social – com maior incidência nos necessitados – e menores gastos corporativos e de dependência assistencial. A reforma social não pode também introduzir sistemas de sistemas que gerem uma desigualdade de oportunidades de forma a criar uma igualdade de acesso aos sistemas de protecção social pelos segmentos sociais mais desfavorecidos. Esta reforma deve procurar garantir uma participação alargada no funcionamento da concertação social. Estes são processos que induzem comportamentos e, neste caso, de reconhecer que depende do sistema político, face à necessidade de compatibilizar a médio e longo prazo o compromisso entre padrão económico competitivo e coesão social, o desenvolver políticas de centralização organizadora que devolva ao político, no contexto dos diversos poderes sociais e económicos, o papel de regulação estratégica da sociedade (Mozzicafreddo, 2001).
Como prioridades nas políticas públicas em Angola, o Estado aposta (deve apostar) no apoio social aos mais desfavorecidos, com a criação de infra-estruturas tais como hospitais suficientes, creches, lares para a terceira idade, escolas, etc, assim como na formação de quadros, a modernização dos serviços públicos[3]e a melhoria da estrutura e funcionamento da Administração Pública.
A cidadania é a participação do indivíduo nos assuntos do Estado. Para Aristóteles a cidadania era o status privilegiado do grupo da cidade-Estado. No Estado democrático moderno, a base da cidadania é a capacidade para participar no exercício do poder político por meio do processo eleitoral. Assim, a participação dos cidadãos no moderno Estado-nação implica a condição de membro de uma comunidade política baseada no sufrágio universal, e portanto também a condição de membro de uma comunidade civil baseada na letra lei. Enquanto para Aristóteles, o status cidadania estava limitado aos autênticos participantes nas deliberações e no exercício do poder, presentemente a cidadania nacional estende-se a toda sociedade[4]. Para além da questão dos direitos e deveres, a ideia de cidadania como exercício de participação nas tomadas de decisão política está ligada às classes sociais, com o seu fluxo de igualdade e desigualdade social. Segundo Barbalet, os aspectos da desigualdade social são afectados pelo alargamento do âmbito da cidadania (Barbalet, 1989)[5].
Barbalet acrescenta que existem três elementos de cidadania: o civil, o político e o social. O elemento civil é composto pelos direitos necessários à liberdade, e a instituição que lhe está associada mais directamente é o sistema judicial fundado na lei. O elemento político consiste no direito de participar no exercício do poder político. E finalmente o elemento social é constituído pelo direito ao nível de vida predominante e ao património social da sociedade[6]. Sampaio Marinho afirma que cada cidadão tem determinado direito e as respectivas obrigações para com o Estado a que pertence. Quanto aos direitos sociais, João Carlos Espada define-os como pretensões, e não só liberdades, já que deveriam implicar a obrigação por parte de terceiros de assegurarem um tipo qualquer de bens a que se considera que o seu titular tem direito. Como a obrigação que decorre desses direitos não é uma obrigação negativa, mas sim uma obrigação positiva de agir, nomeadamente a obrigação de assegurar bens e serviços (ou o acesso a bens e serviços), os direitos sociais têm de ser direitos positivos. E, por último, como não acarretam obrigações para indivíduos específicos, exigindo, em princípio, acção, ou a contribuição para uma acção, por parte de todas as outras pessoas em relação ao titular do direito, os direitos sociais são supostamente in rem (Espada, 2004). Espada distingue os direitos in personam dos direitos in rem da seguinte maneira: os primeiros acarretam obrigações específicas por parte de determinados indivíduos, como no caso do direito de um credor contra o seu devedor. Pelo contrário, os direitos in rem envolvem obrigações por parte de todas as outras pessoas, ou de “toda a gente”, para com o titular do direito. É o caso dos direitos de propriedade, de acordo com o qual todas as pessoas têm uma obrigação de tolerância ou não de interferência na propriedade alheia (Espada, 2004)[7].
Mozzicafreddo afirma que um dos elementos de limitação do exercício efectivo da cidadania se refere a algumas das características do funcionamento dos partidos políticos e do Parlamento[8] enquanto forma de representação dos cidadãos. Não se trata de pôr em causa o seu papel positivo, mas apenas de observar alguns dos efeitos disfuncionais da sua acção enquanto canais privilegiados da representação dos cidadãos e de formação do espaço público (Mozzicafreddo, 1998)[9]. No caso angolano, por exemplo, com as eleições legislativas de 2008 foi constituído o novo Parlamento com 191 deputados do MPLA, 16 deputados da UNITA, 8 deputados do PRS – Partido Renovador Social, 3 deputados da FNLA e 2 deputados da ND – Nova Democracia. Estes partidos políticos e os seus respectivos deputados foram nomeados como representantes e aqueles que respondem pelos cidadãos no Parlamento. Tanto os partidos políticos como a sociedade civil têm o direito de influenciar o processo de decisão das políticas públicas e contribuir para o bom funcionamento da governança.
Por isso, o actual estado de governação angolano é aceitável comparativamente ao passado mas a plena concretização do Estado de direito requer medidas em múltiplos domínios, quer no plano estritamente político, quer no plano cultural. O desenvolvimento estratégico do país é definido pelo Livro Branco (com um horizonte de 20 anos), bem como pela Agenda Nacional de Consenso (a exemplo do Pacto de Estabilidade de Portugal). Esta Agenda Nacional de Consenso tem procurado transformar a economia dos recursos irrenováveis para os recursos renováveis. Por exemplo, os recursos que vêm do petróleo têm sido colocados ao serviço da industrialização do país, das infra-estruturas, da agricultura, da pesca, da habitação, entre outros aspectos. A abertura de muitos bancos privados, a livre circulação nas dezoito províncias do país, o regular funcionamento de empresas de recolha de lixos (Ambitec, Sanágua, por exemplo), são também dados importantes. Isto reflecte-se naquilo que Feijó e Paca chamam de princípio de participação na gestão da administração, uma das mais importantes conquistas dos Estados modernos no âmbito da actividade pública administrativa e a correlativa relação com os administrados. Manifesta-se através do poder reconhecido aos particulares de participarem, de diversos modos, no exercício da actividade administrativa (arts. 8º, 27º e 52º do Decreto-Lei 16-A/95, de 15 de Dezembro). O nº1 todo o cidadão tem o direito de participar na vida pública e na direcção dos assuntos públicos, directamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos, e de ser informado sobre os actos do Estado e a gestão dos assuntos públicos, nos termos da Constituição e da lei, e o nº2 todo o cidadão tem o dever de cumprir e respeitar as leis e de obedecer às ordens das autoridades legítimas, dadas nos termos da Constituição e da lei e no respeito pelos direitos, liberdades e garantias fundamentais, do artigo 52º da Constituição. Este princípio fundamental do cidadão, constitucionalmente previsto, significa que os cidadãos, para lá dos mecanismos da democracia representativa, podem participar nas tomadas de decisão intervindo directamente no funcionamento quotidiano da administração (Lei Constitucional, arts. 3º/2, 10º, 28º, 30º, 50º e 90º, al. k) e Decreto-Lei 16-A/95, nos arts. 8º e 27º) (Feijó e Paca, 2005).

Sempre a considerar,
Mestre Benvindo Luciano
Sociólogo e Docente Universitário



[1] file://M:CV-Jean Manuel Gonçalves da Silva Actividades Académicas – Academic Activities “extraído no dia 26/09/08”.

[2] Acetatos da disciplina de Políticas Públicas, dentro do programa da disciplina de Estado, Administração e Políticas Públicas, ISCTE, ano lectivo 2007/08; Muller, Pierre (1990) e Muller, Pierre (1995).
[3] Numa acepção jurídica, serviços públicos: são estruturas administrativas criadas com a finalidade de preparar e executar as decisões dos órgãos da pessoa colectiva pública a que pertencem Dr. Carlos Feijó, Carlos e Cremildo Dr. Cremildo Paca (2005).
[4] Barbalet, J. M. (1989).
[5] Ver detalhadamente em Stanislaw Ossowski (1963).
[6] Abordagens feitas a partir de T. H. Marshall (1950).
[7] Espada refere também que os direitos sociais foram introduzidos como parte dos direitos do homem, que se tornaram geralmente conhecidos depois de a Declaração Universal dos Direitos do Homem ter sido adoptada pela Organização das Nações Unidas em 1946. Esta Declaração pode ser consultada in UNESCO (1948).
[8] Designando-se como a fábrica de Leis – Parlamento.
[9] Mozzicafreddo referia-se na questão do poder do cidadão e poder da estrutura institucional, mais concretamente em Portugal no que tange a modernidade! O que pode também ajudar para uma Angola que percorre o caminho para a modernidade.