No caso angolano, as grandes orientações em matéria de descentralização
administrativa constam de documentos de estratégia aprovados pelas estruturas
de poder ainda sem concretização nas políticas em curso. Pelo contrário, em
matéria de desconcentração a evolução tem sido significativa.
Com o objectivo de combater a centralização, o MPLA, o partido no poder
desde a independência, lançou um conjunto de programas tendo em vista:
- tornar prioritária a desconcentração administrativa, nomeadamente nos
órgãos e serviços da administração periférica do Estado, garantindo a extensão
e consolidação da presença e autoridade do Estado em todo o território
nacional;
- promover, a seguir à fase da desconcentração, a descentralização
administrativa e a institucionalização das autarquias locais;
- adoptar um programa global, faseado e gradual de implementação de uma
Administração local autárquica, abrangendo medidas legislativas, materiais e de
desenvolvimento de recursos humanos de curto, médio e longo prazos;
- promover, por um lado, a coordenação entre as diferentes estruturas da
Administração Pública e, por outro, a implementação gradual do processo de
transferência de atribuições e competências e a diminuição da intensidade do
vínculo por parte da administração periférica;
- assumir como princípios fundamentais para a institucionalização do
poder local os seguintes: a) a autonomia local abrangendo não só as autarquias
locais mas também as instituições organizatórias do poder tradicional e outras
formas de participação democrática dos cidadãos; b) o reconhecimento
constitucional das instituições organizatórias do poder tradicional e do
costume como fonte de direito, nos termos da lei; c) a clarificação das funções
das autarquias locais e das instituições do poder tradicional; d) a promoção do
associativismo e o incentivo à participação individual a nível local.
- adoptar um programa sério e credível de formação, capacitação e gestão
previsional de recursos humanos para a Administração;
- promover uma solução política, jurídica, económica e social que tenha
em conta as especificidades de Cabinda no quadro do Estado unitário e nos
limites impostos pela Constituição da República[1].
Deste programa só a desconcentração dos recursos financeiros se
concretizou com a criação em 2008 pelo então ministro do Ministério da Administração
e do Território, Virgílio Fontes Pereira no âmbito do fundo de gestão municipal
foram criados 3 tipos de municípios A, B e C, os do tipo A e B beneficiaram,
numa fase experimental de cinco milhões de dólares, 2009 para 68 dos 163
municípios existentes em Angola, para diversos fins, nomeadamente no domínio da
saúde, educação, saneamento básico, ambiente (componente dos jardins) e
habitação, em poucos dizeres, estes recursos visam complementar as acções
gerais do governo, mas cuja concretização ficou-se na ordem dos 10 a 15% e os
da C não.
Pacatolo refere que os órgãos da administração local do Estado são
considerados unidades orçamentais e, nesta condição, recebem doações
orçamentais do governo central para executar de acordo com as políticas
definidas central e localmente. Estas doações orçamentais são denominadas de
“quotas financeiras” e a sua atribuição é feita com elevado grau de
discricionariedade política dos órgãos de tutela. E os municípios de regiões
petrolíferas e diamantéferas são beneficiados financeiramente pelas receitas
consignadas derivadas das receitas fiscais associadas à exploração daqueles
recursos minerais, para além de terem acesso, como os demais municípios, a
outras receitas consignadas. Esta situação agrava a disparidade fiscal
orçamental entre os municípios angolanos (Pacatolo, 2011). E o município do
Lobito é um dos municípios que beneficia das receitas dos petróleos, diamantes
e bronzes angolanos.
As políticas em Angola podem ser explicadas pela hierarquia entre o
Presidente da República, os membros da Assembleia da República e a Sociedade
Civil. Deste último surge a pressão eleitoral e o Presidendete da República rm
função da pressão social estabelece na sua agenda e problemas medidas políticas
que permitam a estabilidade macroeconómica, o desenvolvimento humano e a
segurança pública. E as decisões políticas são tomadas na Assembleia da
República através de uma medida política debatida pelos membros de diferentes
partidos políticos que representam os cidadãos na Assembleia. Para a
concretização destas políticas, o governo conta com as ONG´s, Igrejas,
associações lucrativas, voluntariados e a sociedade civil no geral para
fortalecer e estabelecer o bem-estar social, a justiça e a segurança.
Porém, o processo de desconcentração acarreta sérias exigências no que
diz respeito à celeridade do procedimento administrativo e à responsabilização dos
serviços públicos. Tal supõe o cumprimento das normas relativas ao procedimento
e à actividade administrativa, constantes do Decreto-Lei nº16-A/95. O artigo
31º deste diploma (Dever de celeridade) dispõe que os órgãos da Administração
Pública devem providenciar pelo rápido e eficaz andamento do procedimento,
recusando o que for impertinente ou dilatório e promovendo o que for necessário
para uma justa e oportuna decisão. Por sua vez o artigo 33º (Audiência dos
interessados) estabelece que os órgãos administrativos podem ordenar a
notificação dos interessados para se pronunciarem acerca de qualquer questão em
qualquer fase do procedimento.
Feijó e Paca assinalam que, embora o Decreto-Lei nº16-A/95 não faça
referencia expressa a que não basta que a Administração Pública prossiga formalmente
o interesse público, deve entender-se também como necessário que a solução
encontrada para cada caso e em cada momento tenha em atenção as exigências
decorrentes da obrigação de boa administração. A Lei nº17/90, de 20 de Outubro estipula
no seu artigo 1º (Princípios fundamentais): 1. A administração pública visa a prossecução do interesse público,
no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos; 2. Os órgãos e os agentes
administrativos estão subordinados à lei e devem actuar com justiça e imparcialidade
no exercício das funções (Feijó e Paca, 2005)[2].
A observação da realidade angolana mostra que o sucesso da desconcentração
administrativa implica a criação de condições de base: salários em dia,
formação superior dos técnicos de contas/gestores financeiros, aposta séria na
fiscalização adequada, diminuição da burocracia, ética nos serviços
administrativos, prémios de bom desempenho, prestação de contas por parte dos
municípios, responsabilização das administrações locais pelo mau serviço/má
gestão financeira, avaliação da qualidade dos serviços oferecidos aos cidadãos.
Cabe aos municípios que beneficiam das transferências financeiras proceder a uma
rigorosa gestão das verbas disponibilizadas pelo Governo central. O objectivo
de melhorar a relação com os munícipes/cidadãos enquanto clientes e enquanto
cidadãos participativos surge neste contexto como fundamental. A lei nº17/90,
de 20 de Outubro enfatiza no seu artigo 5º (Deontologia do Serviço Público),
que no exercício das suas funções os funcionários e os agentes da administração
do Estado estão exclusivamente ao serviço do interesse público, devendo actuar
com urbanidade e respeito à lei nas suas relações com os cidadãos[3].
Um aspecto fundamental a ter em conta é, necessariamente, o da avaliação.
A ausência de uma cultura de avaliação dificulta não só a criação mas sobretudo
o efectivo funcionamento de estruturas que assegurem uma adequada prestação de
contas (accountability).
Outro aspecto a ter em conta nesta mesma ordem de ideias é a pergunta “quando
é que os serviços públicos estão a funcionar?” que Dahrendorf levanta num dos
seus artigos. Para Dahrendorf, a questão é muito mais complicada do que parece.
Em alguns casos, a resposta parece simples: se os comboios cumprem os horários,
funcionam. Mas é isto que realmente queremos dos nossos comboios? De certeza
que não. Devem também ser seguros e razoavelmente confortáveis. Devem não só
chegar a horas, como na altura certa e com intervalos razoáveis. Mais
importante ainda, devem ser acessíveis. À medida que esta lista de critérios
vai crescendo, torna-se evidente que a componente mais facilmente medida, a
pontualidade, é apenas uma das características desejáveis, e não necessariamente
a mais significativa. Dahrendorf caracteriza,
exemplificando, situações de mau funcionamento: cortar a lista de espera levou
os médicos a tratarem das doenças menos importantes mais rapidamente, deixando
os que sofrem de doenças graves completamente fora da lista; o rápido aumento
dos alunos universitários levou à redução dos critérios de admissão e da
qualidade final dos licenciados; reduzir o crime de rua levou a polícia a
deixar pura e simplesmente de reagir a certos delitos. O bom serviço público é
o contrário disto (Dahrendorf, 2004).
Sempre a considerar,
Mestre Benvindo Luciano
Sociólogo e Docente Universitário
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