sábado, 10 de janeiro de 2015

A OPÇÃO PELA DESCONCENTRAÇÃO ADMINISTRATIVA EM ANGOLA

No caso angolano, as grandes orientações em matéria de descentralização administrativa constam de documentos de estratégia aprovados pelas estruturas de poder ainda sem concretização nas políticas em curso. Pelo contrário, em matéria de desconcentração a evolução tem sido significativa.
Com o objectivo de combater a centralização, o MPLA, o partido no poder desde a independência, lançou um conjunto de programas tendo em vista:
- tornar prioritária a desconcentração administrativa, nomeadamente nos órgãos e serviços da administração periférica do Estado, garantindo a extensão e consolidação da presença e autoridade do Estado em todo o território nacional;
- promover, a seguir à fase da desconcentração, a descentralização administrativa e a institucionalização das autarquias locais;
- adoptar um programa global, faseado e gradual de implementação de uma Administração local autárquica, abrangendo medidas legislativas, materiais e de desenvolvimento de recursos humanos de curto, médio e longo prazos;
- promover, por um lado, a coordenação entre as diferentes estruturas da Administração Pública e, por outro, a implementação gradual do processo de transferência de atribuições e competências e a diminuição da intensidade do vínculo por parte da administração periférica;
- assumir como princípios fundamentais para a institucionalização do poder local os seguintes: a) a autonomia local abrangendo não só as autarquias locais mas também as instituições organizatórias do poder tradicional e outras formas de participação democrática dos cidadãos; b) o reconhecimento constitucional das instituições organizatórias do poder tradicional e do costume como fonte de direito, nos termos da lei; c) a clarificação das funções das autarquias locais e das instituições do poder tradicional; d) a promoção do associativismo e o incentivo à participação individual a nível local.
- adoptar um programa sério e credível de formação, capacitação e gestão previsional de recursos humanos para a Administração;
- promover uma solução política, jurídica, económica e social que tenha em conta as especificidades de Cabinda no quadro do Estado unitário e nos limites impostos pela Constituição da República[1].
Deste programa só a desconcentração dos recursos financeiros se concretizou com a criação em 2008 pelo então ministro do Ministério da Administração e do Território, Virgílio Fontes Pereira no âmbito do fundo de gestão municipal foram criados 3 tipos de municípios A, B e C, os do tipo A e B beneficiaram, numa fase experimental de cinco milhões de dólares, 2009 para 68 dos 163 municípios existentes em Angola, para diversos fins, nomeadamente no domínio da saúde, educação, saneamento básico, ambiente (componente dos jardins) e habitação, em poucos dizeres, estes recursos visam complementar as acções gerais do governo, mas cuja concretização ficou-se na ordem dos 10 a 15% e os da C não.
Pacatolo refere que os órgãos da administração local do Estado são considerados unidades orçamentais e, nesta condição, recebem doações orçamentais do governo central para executar de acordo com as políticas definidas central e localmente. Estas doações orçamentais são denominadas de “quotas financeiras” e a sua atribuição é feita com elevado grau de discricionariedade política dos órgãos de tutela. E os municípios de regiões petrolíferas e diamantéferas são beneficiados financeiramente pelas receitas consignadas derivadas das receitas fiscais associadas à exploração daqueles recursos minerais, para além de terem acesso, como os demais municípios, a outras receitas consignadas. Esta situação agrava a disparidade fiscal orçamental entre os municípios angolanos (Pacatolo, 2011). E o município do Lobito é um dos municípios que beneficia das receitas dos petróleos, diamantes e bronzes angolanos.
As políticas em Angola podem ser explicadas pela hierarquia entre o Presidente da República, os membros da Assembleia da República e a Sociedade Civil. Deste último surge a pressão eleitoral e o Presidendete da República rm função da pressão social estabelece na sua agenda e problemas medidas políticas que permitam a estabilidade macroeconómica, o desenvolvimento humano e a segurança pública. E as decisões políticas são tomadas na Assembleia da República através de uma medida política debatida pelos membros de diferentes partidos políticos que representam os cidadãos na Assembleia. Para a concretização destas políticas, o governo conta com as ONG´s, Igrejas, associações lucrativas, voluntariados e a sociedade civil no geral para fortalecer e estabelecer o bem-estar social, a justiça e a segurança.
Porém, o processo de desconcentração acarreta sérias exigências no que diz respeito à celeridade do procedimento administrativo e à responsabilização dos serviços públicos. Tal supõe o cumprimento das normas relativas ao procedimento e à actividade administrativa, constantes do Decreto-Lei nº16-A/95. O artigo 31º deste diploma (Dever de celeridade) dispõe que os órgãos da Administração Pública devem providenciar pelo rápido e eficaz andamento do procedimento, recusando o que for impertinente ou dilatório e promovendo o que for necessário para uma justa e oportuna decisão. Por sua vez o artigo 33º (Audiência dos interessados) estabelece que os órgãos administrativos podem ordenar a notificação dos interessados para se pronunciarem acerca de qualquer questão em qualquer fase do procedimento.
Feijó e Paca assinalam que, embora o Decreto-Lei nº16-A/95 não faça referencia expressa a que não basta que a Administração Pública prossiga formalmente o interesse público, deve entender-se também como necessário que a solução encontrada para cada caso e em cada momento tenha em atenção as exigências decorrentes da obrigação de boa administração. A Lei nº17/90, de 20 de Outubro estipula no seu artigo 1º (Princípios fundamentais): 1. A administração pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos; 2. Os órgãos e os agentes administrativos estão subordinados à lei e devem actuar com justiça e imparcialidade no exercício das funções (Feijó e Paca, 2005)[2].
A observação da realidade angolana mostra que o sucesso da desconcentração administrativa implica a criação de condições de base: salários em dia, formação superior dos técnicos de contas/gestores financeiros, aposta séria na fiscalização adequada, diminuição da burocracia, ética nos serviços administrativos, prémios de bom desempenho, prestação de contas por parte dos municípios, responsabilização das administrações locais pelo mau serviço/má gestão financeira, avaliação da qualidade dos serviços oferecidos aos cidadãos. Cabe aos municípios que beneficiam das transferências financeiras proceder a uma rigorosa gestão das verbas disponibilizadas pelo Governo central. O objectivo de melhorar a relação com os munícipes/cidadãos enquanto clientes e enquanto cidadãos participativos surge neste contexto como fundamental. A lei nº17/90, de 20 de Outubro enfatiza no seu artigo 5º (Deontologia do Serviço Público), que no exercício das suas funções os funcionários e os agentes da administração do Estado estão exclusivamente ao serviço do interesse público, devendo actuar com urbanidade e respeito à lei nas suas relações com os cidadãos[3].
Um aspecto fundamental a ter em conta é, necessariamente, o da avaliação. A ausência de uma cultura de avaliação dificulta não só a criação mas sobretudo o efectivo funcionamento de estruturas que assegurem uma adequada prestação de contas (accountability).
Outro aspecto a ter em conta nesta mesma ordem de ideias é a pergunta “quando é que os serviços públicos estão a funcionar?” que Dahrendorf levanta num dos seus artigos. Para Dahrendorf, a questão é muito mais complicada do que parece. Em alguns casos, a resposta parece simples: se os comboios cumprem os horários, funcionam. Mas é isto que realmente queremos dos nossos comboios? De certeza que não. Devem também ser seguros e razoavelmente confortáveis. Devem não só chegar a horas, como na altura certa e com intervalos razoáveis. Mais importante ainda, devem ser acessíveis. À medida que esta lista de critérios vai crescendo, torna-se evidente que a componente mais facilmente medida, a pontualidade, é apenas uma das características desejáveis, e não necessariamente a mais significativa. Dahrendorf caracteriza, exemplificando, situações de mau funcionamento: cortar a lista de espera levou os médicos a tratarem das doenças menos importantes mais rapidamente, deixando os que sofrem de doenças graves completamente fora da lista; o rápido aumento dos alunos universitários levou à redução dos critérios de admissão e da qualidade final dos licenciados; reduzir o crime de rua levou a polícia a deixar pura e simplesmente de reagir a certos delitos. O bom serviço público é o contrário disto (Dahrendorf, 2004).

Sempre a considerar,
Mestre Benvindo Luciano
Sociólogo e Docente Universitário




[1] V Congresso do MPLA, em 2004.
[2] Cfr. Detalhadamente na nova Constituição da República de Angola, no nº1 e 2 do artigo 198º.
[3] Citado por Marques (2007).

Sem comentários:

Enviar um comentário