Caiden, citado por Rocha, aponta dois objectivos para a reforma administrativa.
O primeiro consiste em melhorar as práticas inadequadas em ordem a melhorar os
processos existentes; o segundo implica a substituição do modelo de gestão
pública (Rocha, 2001a). A par destes objectivos, o autor acrescenta que a
problemática da reforma comporta actualmente duas estratégias: privatização das
actividades não essenciais que possam ser prestadas pelo mercado e adopção de
instrumentos de gestão destinados a aumentar a eficiência do sistema
administrativo[1].
Podemos designar por modernização administrativa os movimentos de mudança
na Administração Pública que são orientados para a qualidade, inovação,
informação e formação. A modernização é o resultado da reforma. Segundo Kovács
(1991), implica mudança nas organizações, de forma a torná-las mais flexíveis,
bem como uma nova política de recursos humanos, a qual se caracteriza pelo
empenhamento e participação dos trabalhadores da função pública (Rocha, 2001b).
As medidas de reforma administrativa são implementadas para todas as
administrações de maneira semelhante e os países que apostam nestas medidas
pautam-se sempre pela eficiência e eficácia. Estas medidas, refere Dray, passam
pela melhoria dos métodos de trabalho, melhoria das condições de trabalho,
melhoria no atendimento, melhoria na imagem do serviço, reduzir custos e
prazos. Estas medidas acabam por ser actividades essenciais, complementares,
interdependentes e indispensáveis para a mudança e para a qualidade
administrativa (Dray, 1995)[2].
No âmbito da reforma e modernização administrativa, Corte-Real acrescenta
que parece inquestionável que a Administração Pública tem de ser capaz de dar
resposta às questões respeitantes à garantia de igualdade dos cidadãos perante
a lei; à prestação de serviços de interesse geral, essenciais à comunidade e ao
seu equilíbrio social; ao apoio à actividade técnico-normativa do Governo; à
condução ou dinamização de projectos estratégicos de desenvolvimento em
domínios não lucrativos; e finalmente, ao apoio ao Governo na avaliação e
controle das políticas públicas. Leva-nos a entender que a reforma administrativa
tem de se reflectir muito na aproximação entre a Administração e o cidadão,
apostar na boa gestão pública, na privatização dos serviços públicos e nas
novas tecnologias da informação (Corte-Real, 1995), a que Gore se refere
igualmente: “ o uso de meios informáticos electrónicos/uma Administração
electrónica humanizada” (Gore, 1994).
Aproximar a Administração do cidadão é um objectivo interessante que só
resulta quando adequadas medidas políticas tiverem em primeiro lugar melhorado
o serviço público em todas as vertentes. Como refere Rocha (2001a), as várias
medidas que têm sido tentadas de forma a melhorar o relacionamento entre a
Administração e os cidadãos passam pela dinamização da informação, incluindo o
marketing público; publicidade institucional, a qual tem por objectivo “vender”
os produtos da administração; relações públicas, que estão incumbidas de
acolher os cidadãos, encaminhá-los dentro dos serviços e analisar sugestões e
reclamações; aconselhamento do cidadão, serviço cuja função consiste na
informação, ajuda e protecção dos cidadãos, entre outras medidas já mencionadas
anteriormente. Em Angola, muitas destas medidas estão expressas nas Normas do
Procedimento e da Actividade Administrativa e na da Deontologia do serviço
público. Só assim é que as outras medidas de reforma poderão ter campo de
acção.
Segundo Marques as grandes vantagens da reforma, destacam-se o impulso à
competitividade, a captação de investimento e o respeito pelos direitos
individuais dos promotores (...) e uma forma de libertar a Administração de
tarefas inúteis, se for o caso. E é, sobretudo, um factor preventivo dos
esquemas paralelos de obter decisões públicas. A eternização dos processos,
fazendo-os percorrer, com grande opacidade no caminho e no rítmo, várias
entidades administrativas, constitui indubitavelmente um incentivo a formas
menos legais de obter uma solução (Marques, 2009).
Gore afirma que a gestão dos serviços públicos tem que assuimir uma clara
percepção da missão a cumprir, recorrer mais a incentivos e menos à imposição
de regulamentos, adoptar a ideia de que trabalha bem quem consegue obter bons
resultados (e não quem se limita a dar estrito cumprimento a regras de
procedimento), medir os resultados em função do grau de satisfação do cliente e
reflectir devidamente as prioridades orçamentais (Gore, 1994)[3]. Esta
perspectiva enquadra-se no movimento de reforma da Administração pública
norte-americana que ficou conhecido pela designação de New Performance Review e representa um compromisso entre o chamado New Public Management e o New Public Service.
Gore apresenta-nos quatro princípios fundamentais de boa gestão da
Administração Pública: 1. A
boa gestão elimina os entraves burocráticos, substituindo sistemas em que as
pessoas são responsáveis pelo cumprimento de regras com base na sua opinião e
vontade; 2. A
boa gestão aposta na satisfação do cliente e, por isso e para isso, cria e
aplica mecanismos de conhecimento permanente e rigoroso da sua opinião e
vontade; 3. A
eficácia só pode ser obtida eliminando a centralização e concentração de
poderes, permitindo que as pessoas que estão directamente em contacto com os
problemas tenham cada vez mais iniciativas e capacidade de decisão; 4. A boa gestão exige
permanentemente reinvenção de métodos, para poupar recursos e melhorar o
serviço prestado, recorrendo para isso à reengenharia de sistemas e programas e
à avaliação rigorosa dos respectivos resultados (Gore, 1994)[4].
A reforma e modernização administrativa no contexto angolano levantam-nos
várias questões: “quando, onde e como reformar, e sobretudo quais os sectores
prioritários”, pese embora o país já tenha contemplado algumas mudanças
administrativas desde a antiga divisão administrativa até aos nossos dias. A
corrupção, a injustiça, a negligência e o excesso da burocracia são aspectos
que nalguns sectores administrativos ainda se fazem sentir em Angola. As queixas formuladas
e as pesquisas de campo que fizemos apontam que quem quiser montar um negócio
tem que proceder na base do paga a este, paga àquele. Outro dos problemas é a
morosidade da burocracia e da justiça. A saúde e a educação são sectores
fundamentais para ter cidadãos de “mente sã em corpo são”. Daí que são precisas
muitas escolas com programas adequados, muitas bibliotecas, muitos hospitais ou
serviços de saúde com pessoal vocacionado e acima de tudo que o funcionalismo
público tenha valores morais e éticos. Só assim a sociedade se poderá
desenvolver de forma harmoniosa e em paz[5].
São variadas as insuficiências que a Administração Pública apresenta em Angola. Mas tal não
pode justificar tudo. A Administração Pública tem a responsabilidade de actuar
na satisfação das necessidades vitais da sociedade através dos órgãos por si
criados para a prossecução de fins públicos. São necessárias reformas urgentes
que não fiquem pelas intenções compartimentadas ou sectorizadas, mas sim sejam
globais e actuantes e que passem pela mudança de atitude do cidadão. Tal
implica, nomeadamente, a definição do perfil dos dirigentes e quadros da
Administração Pública, ajustando a sua remuneração ao seu desempenho
profissional. Para o cumprimento deste propósito, impõe-se a tomada de medidas
jurídico-administrativas no âmbito de reformas adequadas ao desenvolvimento do
país e ao crescente aumento das exigências dos cidadãos em prol da qualidade e
eficiência da Administração Pública.
Em termos de sectores prioritários, existe em Angola alguma legislação
avulsa, porém já bastante para reformar a Administração Pública ou, pelo menos,
para melhorar o seu desempenho. O esforço desenvolvido a nível do MAPESS[6] é porém
insuficiente porque, em boa verdade, a reforma deverá ser um processo que
envolva todas as instituições públicas e obtenha resultados palpáveis.
Para melhorar os serviços públicos em Angola é preciso a privatização de
alguns desses serviços. Os serviços públicos hoje prestados pela Administração
Pública ainda não são satisfatórios para o cidadão, quiçá por ausência de
competitividade dos serviços prestados. Além disso, por razões estruturais, a
Administração Pública não tem condições para continuar a abarcar todos serviços
públicos do seu exclusivo domínio. Por esta e outras razões, justifica-se que o
Estado angolano privatize alguns serviços públicos, como serviços de limpeza
nas cidades, saneamento básico, energia, do domínio do Estado um vez que na
maioria dos casos apenas representam encargos financeiros. Com as suas
privatizações o Estado, para além da melhoria dos serviços, obtém rendimentos
fiscais da actividade privatizada. As políticas de privatização do Estado não
devem prejudicar o interesse dos cidadãos. Por exemplo, a privatização de todos
os serviços de saúde é extremamente perigosa porque se uns, muito poucos,
poderão pagar seguros elevados de saúde, outros haverá, uma grande maioria, que
a pouco mais poderão ter direito que a uma consulta rápida e depois vão morrer
para casa sem direito a tratamento. Algumas actividades poderão eventualmente
ser privatizadas, como a recolha e tratamento do lixo. Em termos práticos, isto
implica a abertura de serviços privados que se vão especializar e criar
emprego. Mas mais uma vez é preciso ter cuidado com o problema da corrupção e
não proceder à adjudicação de trabalhos sem concursos públicos e a coberto de
práticas ilícitas. Do mesmo modo, importa acautelar a existência dum ensino
público que rivalize em qualidade com o ensino privado, garante um serviço de
qualidade às crianças e jovens dos vários grupos sociais.
Apostar nos recursos humanos disponíveis e no uso das tecnologias
significa uma melhoria da qualidade da prestação dos serviços públicos, permitindo
satisfazer mais rapidamente as necessidades colectivas dos cidadãos. O recurso
às novas tecnologias de informação e comunicação na Administração Pública,
particularmente na gestão dos serviços públicos, contribui para a eliminação
das rotinas administrativas desnecessárias praticadas pelos funcionários e
agentes administrativos e também muito comum em Angola, bem como para a
eliminação da prática da famosa “gasosa[7]”. A
introdução das TIC na Administração Pública pode contribuir para uma gestão
transparente dos meios gastos à sua disposição e dos serviços prestados ao
cidadão. Porque o óbvio é que na era da informática é preciso apostar nas novas
tecnologias para modernizar o sector público desde que seja dada formação
adequada e que os programas funcionem. De que serve um código de acesso à minha
situação fiscal se levo horas ou dias para conseguir entrar no sistema? Não
será mais rápido ir ao guichet, apesar das filas intermináveis[8]?
Por isso, Burke afirma que uma reforma não se faz para criar um Estado
novo mas sim para conservar. Só é possível reformar quando há imitação. A
reforma, diz ainda Burke, é um processo que, depois de identificar a parte que
lhe falta, se limita a reformar tal parte (Burke, 1967). E Rodrigues acrescenta
que a boa reforma administrativa está ligada à ideia de um Estado competente, à
boa governabilidade e esta exige, entre outros, os seguintes requisitos: a) uma
economia de mercado regulada e que, de forma justa e equitativa, contribua para
o bem-comum; b) uma aturada visão estratégica que determine as missões, os
grandes objectivos e as políticas públicas ajustadas às necessidades sociais; c)
uma descentralização e desconcentração graduais e ajustadas aos interesses das
populações e dentro de regras de economia de meios; d) um exercício eficaz da
justiça; e) uma participação mais efectiva da população no desenvolvimento
comunitário; f) uma atenção permanente aos gastos públicos e à relação destes
com o benefício associado; g) capacidade de liderança dos dirigentes da
Administração e comprometimento com os objectivos de desenvolvimento em
desfavor da ordem burocrática, tida muitas das vezes como um fim em si próprio;
h) co-responsabilização entre Estado, sociedade civil e sector privado no
alcance da eficiência e eficácia do desenvolvimento; i) transparência no
processo da decisão administrativa; j) identificação das necessidades sociais
(por métodos científicos) (Rodrigues, 2000).
Quanto ao mau aproveitamento dos Recursos Humanos, Martins salienta que
as regras que regem a organização do pessoal de qualquer país que vise a
modernização inserem-se em cinco categorias: o homem certo para o lugar certo;
a optimização dos recursos; a busca da qualidade em vez da quantidade, a
inovação e a criatividade e; a produtividade (Martins, 2007).
Sempre a considerar,
Mestre Benvindo Luciano
Sociólogo e Docente Universitário
[1]
Conferência proferida no Porto em 30 de Maio e organizado pelo Sindicato dos
Trabalhadores da Função Pública (2001b).
[3] Um
breve reparo do o relatório de Al Gore sobre o estado da Administração Pública
americana e as opções para a sua reforma.
[5] Uma
abordagem feita não de pesquisa de campos como também de conversa com pessoas
que directa ou indirectamente seguem o processo administrativo angolano.
[6]
MAPESS – Ministério de Administração Pública e Emprego e Segurança Social.
[7]
Gasosa é o termo atribuído em Angola para aquelas práticas menos lícitas ou
seja o dinheiro sujo.
[8]
Inquietações levantadas pela Dra. Adelaide Abrantes, que não fogem tanto da
realidade angolana.
Conteúdo a considerar na gestão das crises e desempenho das organizações publicas.
ResponderEliminarBem haja DR. BV.
Muito bom, Mestre Benvindo! A presente matéria é de suma importância para todos nós e ajuda-nos a percebemos sobre a a questão da reforma administrativa do Estado. Parabéns e sucessos.
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