Os primeiros grupos a
fixarem-se em terras de Angola foram os Bushmen, conhecidos pelas suas
qualidades de caçadores. No século VI DC, povos de pele negra, mais
desenvolvidos e com conhecimentos de trabalho com metais, cerâmica na história
angolana eram os Bantu e vinham do Norte. Quando chegaram a Angola, encontraram
povos menos desenvolvidos que foram facilmente dominados. Ao longo dos séculos,
os Bantu deram origem a vários grupos com características étnicas diferentes,
alguns dos quais ainda persistem. No século XIII surge a primeira entidade
política conhecida na história angolana como o Reino do Congo que se estendia
desde o Gabão ao Norte, até ao rio Kwanza, ao Sul, e do Atlântico a Oeste ao
rio Cuango a Leste. O poder estava nas mãos dos Mani, aristocratas que ocupavam
posições chave no reino e que respondiam hierarquicamente perante o poderoso
rei do Congo. Em 1482 chegaram ao Congo as caravelas portuguesas comandadas por
Diogo Cão. Seguiram-se outras expedições que levaram ao estabelecimento de relações
entre os dois Estados. Os portugueses traziam armas de fogo e uma religião; em
troca, o rei do Congo oferecia-lhes escravos, marfim e minerais. Em breve o Rei
do Congo se convertia ao Cristianismo e adoptava uma estrutura política
semelhante à dos europeus. Tornou-se numa figura muito popular na Europa e, ao
fim de algum tempo recebia correspondência do Papa . Abordar-se-á adiante este
assunto com mais detalhe ao falar da antiga divisão administrativa angolana.
Angola, enquanto colónia
portuguesa, era de facto uma colónia do Brasil. Este, por sua vez, também era
uma colónia portuguesa. A influência brasileira exercia-se ao nível da educação
e ao nível religioso através dos Jesuítas e, gradualmente, a filosofia da
guerra deu origem à filosofia do comércio. Estados guerreiros tornaram-se
Estados prontos a produzir e a vender graças às rotas comerciais estabelecidas
por meio de acordos. No Planalto, os Estados mais importantes eram o Bié e o
Bailundo, o último dos quais importantes pelos produtos agrícolas e pela
borracha. Por volta do início do século XIX Portugal tinha completo controlo de
toda a área. A partir de 1764 há uma mudança gradual duma sociedade
esclavagista para uma baseada na produção para consumo doméstico. A Conferência
de Berlim forçou Portugal a ocupar rapidamente as suas colónias. Pelo Tratado
do Protectorado de Simulambuko entre a Coroa portuguesa e os príncipes de
Cabinda em 1885, Portugal recebeu ainda o território de Cabinda a Norte do rio
Zaire. Depois de um complicado processo de implementação da República, o fim do
século XIX viu a estabilização da administração colonial baseada no governo do
território e do povo. A sociedade angolana caracteriza-se à época por uma
pequena elite de famílias crioulas de língua portuguesa – alguns negros, outros
mestiços, alguns católicos, outros protestantes, alguns descendentes de velhas
gerações há muito ali estabelecidas, outros cosmopolitas. A queda da monarquia
portuguesa e o clima internacional levaram a reformas na administração, na
agricultura e na educação. Com uma situação aparentemente calma e estável no
século XIX, a 2ª metade do século XX traz o aparecimento dos primeiros
movimentos nacionalistas. Na década de 50 as organizações políticas começam a
reclamar os seus direitos, iniciando campanhas diplomáticas pelo mundo fora na
sua luta pela independência. O poder colonial recusou ceder aos pedidos
nacionalistas, provocando assim um conflito armado que se arrastou até à
independência a 11 de Novembro de 1975 .
Angola é um dos muitos
países africanos a que a seguir à colonização foi imposta uma nova imagem de
unidade política: o Estado-nação. Gonçalves da Silva frisa no seu Painel
Científico, na Semana da África 2007, que o Estado-nação é uma forma de governo
e de unidade política que surgiu no mundo ocidental como resultado de processos
históricos específicos. Portanto, um conjunto de aspectos tais como a
delimitação de fronteiras, a soberania estatal, o nacionalismo e muitos outros
foram bruscamente introduzidos em sociedades alheias a esta realidade. A estas
sociedades, pela lei da força, não foi permitido o desenvolvimento do seu
próprio processo histórico através duma gradual evolução social e política nem
o desenvolvimento das suas relações com o mundo. Através do controlo político,
social e económico de África, a colonização europeia explorou os recursos
africanos, bloqueando as possibilidades de desenvolvimento em todas as
vertentes. Nos países explorados não houve investimento social, sendo perdidos
séculos de auto-desenvolvimento com a exportação dos seus activos para o
enriquecimento europeu. Concretizados os processos de independência dos países
africanos das suas respectivas metrópoles, a cada unidade política independente
foi reconhecido o estatuto de Estado, dotado de soberania e passível de
reconhecimento nos principais organismos multilaterais de então. Tudo isto no
plano técnico, pois politica e economicamente ainda hoje os países de África
buscam a concretização da sua independência e uma representação justa nos
organismos multilaterais.
A visibilidade de Angola
como um Estado-nação ficou a dever-se à assinatura do Tratado de Alvor a 15 de
Janeiro de 1975, estabelecendo o dia 11 de Novembro de 1975 como a data para a
independência do país, com o MPLA de Agostinho Neto, a UNITA de Jonas Savimbi e
a FNLA de Holdem Roberto . O governo de transição iniciou conversações com os
três grupos independentistas (MPLA, UNITA e FNLA), assinando um Acordo de paz
com cada um dos organismos. Com Portugal fora de cena, os movimentos
nacionalistas entraram em conflito lutando pelo controlo de Luanda e pelo
reconhecimento internacional. Em Julho, os três presidentes encontraram-se em
Bukavu, no Zaire, e concordaram em iniciar negociações com o governo português
assumindo-se como uma unidade política. Depois voltaram a encontrar-se em
Mombasa, no Kenya, a 5 de Janeiro de 1975, e concordaram em suspender a luta,
delineando negociações constitucionais ou de natureza constitucional com o
governo português. Por fim, encontraram-se uma terceira vez no Alvor, em
Portugal, entre 10 e 15 de Janeiro. No dia 15 de Janeiro, os presidentes
Agostinho Neto, Jonas Savimbi e Holdem Roberto assinavam o Acordo de Alvor .
Consumada a independência nacional angolana, pela qual durante anos se travou
um longo conflito colonial, o poder político tinha sido transferido para o
exclusivo controlo de um dos movimentos independentistas, bem sucedido nas
guerras contra as outras formações nacionalistas, FNLA e UNITA. Nascia assim a
primeira República Popular de Angola de matriz socialista.
No período a seguir à
proclamação da independência de Angola colocou-se a questão sobre o rumo
político do novo Estado e qual a solução política a desenvolver para
reconciliar o MPLA-Governo com os outros dois movimentos rivais. Neste contexto
e à semelhança do ocorrido em diversos países africanos pós-coloniais, a seguir
à descolonização Angola experimentou períodos de intranquilidade que envolveram
todas as estruturas sociais da administração do Estado, desde logo afectadas
pela exiguidade de quadros qualificados. A proclamação da independência não
resolveu o problema essencial que era pôr termo a todo o tipo de conflito
armado no território. Assim, o Estado angolano no princípio da instauração da
primeira República ficou marcado pelo mesmo conflito em cujo contexto o MPLA
proclamou unilateralmente a independência .
Com o ressurgimento da
guerra civil de 1992, os elementos estruturantes do Estado – povo, território e
poder político – foram postos em causa. A guerra civil teve o seu fim em 2002,
com a assinatura da paz entre o MPLA e a UNITA no dia 4 de Abril desse mesmo
ano. De 2002 a 2009, a recomposição do Estado tem vindo a ser feita num
contexto marcado por um crescimento económico significativo mas com poucos
reflexos nos indicadores do desenvolvimento humano (IDH). Tal recomposição não
pode obviamente ser dissociada da evolução da sociedade civil.
Em Angola, a noção de
sociedade civil é uma das mais ambíguas, não só da sociologia política, mas
também da actualidade política. Se atentarmos na história política do conceito,
verificamos que de Aristóteles ao século XVII, a sociedade civil opõe-se ao
“Estado de natureza”, reportando-se a qualquer sociedade politicamente
organizada . A aplicabilidade deste conceito a realidades como a angolana é tudo
menos evidente, já que tem uma conotação europeia específica e exprime uma
experiência histórico-política em muitos pontos não-coincidente com a africana
. A dinâmica da sociedade civil pressupõe-se resultante da diversidade e
diferenciação histórico-política e económica, especialmente na área dos
interesses públicos e privado. Ora a história de África não é a história da
Europa.
Ainda no que se refere à
sociedade civil, a sociedade angolana viu altamente limitado o seu processo
específico de construção, concebido este sob a alçada de linhas de pensamento
ideológico que não deram azo ao desenvolvimento de forças sociais
diversificadas. Às consequências de um conflito militar com várias frentes e à
presença de dezenas de milhares de tropas estrangeiras no território angolano
vieram juntar-se dois regimes programaticamente ditatoriais (o do Governo do
MPLA e o dos insurrectos da UNITA) (Guedes, 2005).
As noções de Estado e
sociedade civil estão associadas ao espaço público, para Habermas uma esfera
intermédia que se constituiu historicamente, no século das Luzes, entre a
sociedade civil e o Estado. O espaço público surge como um lugar ilimitado onde
os indivíduos desenvolvem as suas actividades sociais, intelectuais,
religiosas, culturais e outras com interesse num fim único – a satisfação das
necessidades vitais. Nas democracias, este espaço público tem em conta a
opinião pública, eleições, liberdade de expressão, livre circulação de pessoas
e bens. Dadas as circunstâncias do seu passado histórico, Angola encontra-se
hoje numa fase de reconstrução do espaço público, no plano da governança e das
leis como no da criação de condições materiais, quer em termos de
infra-estruturas, quer mediante a explosão de pequenos e grandes negócios e a
presença crescente do investimento estrangeiro, quer ainda através da
reconfiguração do seu sistema administrativo.
No final da década de 80
deu-se a transição democrática. Em 2002, com a morte de Jonas Savimbi (e o fim
da Unita militar) e, consequentemente, a assinatura da Paz, realizaram-se as
eleições legislativas de 5 de Setembro de 2008, com a vitória por uma maioria
esmagadora do MPLA. As eleições presidenciais estavam previstas para 2010.
Vicente Pinto de Andrade assinala que tanto na actual fase de transição
democrática como na fase de consolidação, é preciso assegurar uma avaliação
permanente ao desempenho do regime político angolano do ponto de vista dos
cidadãos, isto é, do ponto de vista das procuras manifestas e latentes de bens
políticos compatíveis com a Constituição. Este é o caminho que permitirá à
sociedade civil a medição e a avaliação do grau de concretização do texto
constitucional. Por isso, é necessário alargar e aprofundar a participação dos
cidadãos, isto é, a acção colectiva dos cidadãos no quadro das várias organizações
da sociedade civil.
Marques Guedes refere que
Angola, para se edificar, tem de conter em si mesma, sabendo conjugá-los,
numerosos espaços diferentes uns dos outros em função dos sujeitos existentes,
das pessoas concretas, dos múltiplos lugares, das muitas associações presentes,
dos agrupamentos etnolinguísticos em interacção, e dos partidos políticos por
todas essas forças segregados. E tem ainda de saber tomar em boa conta uma
conjuntura “externa” regional e global que, com nitidez ontem como hoje, dada a
posição de Angola na ordem internacional, não se deixa nunca ignorar. O autor
acrescenta que, para que a reconstrução do Estado e da sociedade civil sejam
eficazes, o Estado em Angola tem de lograr manter-se atento e vigilante, mas
quedando-se sempre em simultâneo receptivo aos impulsos que emanam das
numerosas esferas do privado, partilhadas por largos segmentos da população que
coexistem no território sob seu controlo segundo coordenadas locais muitas
vezes diferentes uma das outras, mas todas elas da sua responsabilidade. O
certo é que nenhum sistema político pode de maneira convincente invocar
características democráticas se não se implantar sobre a base sólida de uma
rede de ligações mínima de boa-fé e confiança recíprocas, pois só estas viabilizam
a fruição conjunta e permanente de um “Estado” e de “uma sociedade civil”
(Guedes, 2005)
Segundo Neto, o Estado
angolano tem de se reger, a exemplo de muitos Estados, pelos seguintes
princípios: a subsidiariedade, para diminuir o peso da máquina estatal,
delegando noutras organizações, estatais ou não, determinadas actividades
públicas que hipertrofiam a máquina administrativa; a coordenação, para pôr
termo à exclusividade da actuação do Estado através de uma prática de
cooperação e colaboração com outros Estados; a privatização ou desestatização,
transferindo para os entes privados a consecução de actividades de interesse
público; a publicitação, retirando o Estado da execução de actividades
relativas ao sector privado, para reforçar os seus instrumentos de
regulamentação dessas actividades; e a consensualidade, que se refere a uma
nova forma de democracia emergente, voltada para a escolha de como se quer ser
governado, distinta da clássica doutrina orientada para a escolha do governante
(Neto, 2006).
Sempre a considerar,
Mestre Benvindo Luciano
Sociólogo e Docente
Universitário
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