Polissier afirma que Angola tem um percurso político-administrativo não
muito fácil de perceber, fruto de uma longa caminhada histórica conturbada.
Podemos caracterizar este fenómeno político-administrativo, sem rigor, em três
períodos: antes, durante e depois da Independência em 11 de Novembro de 1975. assim,
já muito antes da chegada dos navegadores portugueses, em 1482, havia no
território que hoje denominamos por Angola uma organização político-administrativa,
que tinha como fundamento o poder tradicional local: o rei, os sobas e outros conselheiros
organizavam a distribuição das parcelas de terra consoante o número do agregado
familiar, determinavam taxas para as trocas comerciais entre as pessoas da
mesma localidade e com aqueles que viviam mais distantes. Resolviam ainda os
conflitos de âmbito mais restrito (divórcios, intrigas) e promoviam a
reconciliação entre os desavindos, ou mesmo com âmbito mais alargado. Como
verdadeiros juízes aplicavam as sentenças apropriadas aos casos (Polissier,
1986).
Durante o período da ocupação colonial, a administração política colonial
aplicou o modelo existente à época em Portugal aos reinos que foram ocupando.
Com isto, o poder tradicional foi-se diluindo, perdendo cada vez mais
influência directa nas populações locais. O rei deixou de ser o ponto de
referência para ser o porta-voz do poder colonial, cujo poder militar
contribuiu decisivamente para o enfraquecimento da autoridade tradicional. Um
novo período político-administrativo começou com a proclamação da independência
em 11 de Novembro de 1975 e a adopção do regime monopartidário de inspiração
marxista, liderado pelo MPLA. Actualmente Angola pode considerar-se uma
democracia em crescimento, embora haja ainda o fenómeno da partidarização das
instituições do Estado.
Em termos de divisão administrativa, abordaremos os reinos mais
influentes na administração angolana, nomeadamente, o Reino do Congo, o Reino
do Ndongo, o Reino dos Dembos e o Reino Ambundo.
De uma forma geral, todos os
sistemas políticos tradicionais da África ao Sul do Sahara têm a sua origem na
família alargada, que pode abarcar uma ou várias aldeias. Estas, por sua vez,
dão origem aos clãs, chefiados por um patriarca. O seu poder era relativo
porque não podia decidir a seu bel-prazer: devia sempre consultar um
conselheiro. As decisões eram tomadas de forma democrática, se bem que em
tempos de crise, de guerras ou de fome, o poder do chefe chegava ao absolutismo
e à tirania.
A estrutura dos clãs é transportada para os reinos e impérios, que eram
unidades territoriais mais abrangente, cuja forma de governo correspondia a
forma monárquica. O Reino do Congo ou Império do Congo foi o primeiro Reino
africano localizado no Sudoeste de África, no território que hoje corresponde
ao Norte de Angola, Cabinda, incluindo a República Democrática do Congo, a
parte Ocidental da República Democrática do Congo e ainda o Centro Sul do
Gabão. Este Reino foi fundado, no século XIII, por um monarca, chamado Ntinu
Wene. É difícil calcular a população desta área, mas alguns estudiosos
estimavam-na em cerca de dois milhões de habitantes (Altuna, 2006).
Mais ao Sul do Reino do Congo havia o Reino do Ndongo, que compreendia as
províncias de Luanda, Bengo, Malanje, Kuanza Sul e Norte. Este Reino era
governado por “Ngola Kiluanji”.
Etimologicamente o termo “Ngola” tem
a sua raiz no termo “Ngolo” que em kimbundo[1]
significa “Força”. Portanto,
pertencer ao Reino dos Ngolas significa ter forças para empreender acções
notáveis. Ngola Kiluanje governava por meio de coligação com os pequenos reinos
vizinhos. Este Reino resistiu à ocupação colonial durante várias décadas. Ngola
Kiluanje morreu decapitado em Luanda. Sucedeu-lhe a sua irmã Nzinga Mbandi,
imortalizada como Rainha Nzinga Mbandi[2].
Também ela manteve a coligação com os reinos: Matamba, Kassanje, Dembos e
Kissamas. Numa altura em
que Portugal se debatia com o problema da ocupação espanhola,
ficando as colónias para o plano secundário, a Rainha assinou um acordo com os
holandeses e reduziram a presença portuguesa a Massangano. O Reino foi tomado
pelos portugueses em 1771 (Altuna, 2006).
O termo Dembos na língua
local/regional, o kimbundu, significa “Autoridade”.
Polissier diz-nos que os Dembos eram poderosos, nem sequer se sabendo ao certo
quantos eram, pois havia dezenas de anos que as autoridades coloniais não
penetravam nas suas aldeias. Em retribuição aos Dembos vassalos, as autoridades
portuguesas, por meio do artigo 15º do Regimento dos Capitães-mores de 1763
concediam o título de “governadores” das suas terras e do povo, por meio de
leis próprias; em contrapartida os Dembos pagavam anualmente impostos à Junta
da Fazenda. Eis os nomes dos Sobas que se tornaram vassalos: - Caculo
Cacahenda, este tinha na sua região 21 000 pessoas; - Ngombe Amuquiana, com
11.850 pessoas; - Cazuangongo, com 8 200 pessoas; - Quibaxe Quiamubemba, etc. A
frequência e a fidelidade na colaboração com as autoridades coloniais
determinavam o grau de confiança que se dava aos Dembos (Polissier, 1986).
Um pouco a Sul dos Dembos encontrava-se o Reino Ambundo, que hoje
corresponde a região onde ficam situados os municípios do Golungo Alto e
Quilengue. Era uma região muito populosa, vivendo aí cerca de 130 Sobas fiéis
ao poder colonial, ao qual pagavam o imposto. A cristianização desta região
permitiu a formação duma classe de pessoas instruídas e assimiladas que mais tarde
foram utilizados como intermediários nas trocas comerciais. Era tal a
influência dos ambaquistas assimilados diante dos colonos que podiam maltratar
o simples indígena, mesmo que fosse um Soba (Polissier 1986).
Os assimilados eram os mais fiéis colaboradores no tráfico de escravos,
porque podiam penetrar lá onde os europeus não chegavam. Por isso esta região
de Ambaca foi considerada um viveiro de homens livres e auxiliares, o motor intelectual
do Reino de Angola. De lá saiam os secretários para as cortes de Angola, os
intermediários e outros elementos eram considerados indispensáveis para o bom
funcionamento das trocas comerciais, não só de Angola como também de uma parte
da África Central. Poder-se-ia ainda continuar a falar de outros reinos de
Angola, Reino do Bailundo, do Cuanhama, dos Nganguelas, dos Hereros, dos
Nhanecas-Humbe, descrevendo o modo como funcionavam as administrações locais,
mas como exemplo bastam os quatros reinos acima mencionados (Francisco, 1986).
Distinguem-se duas categorias de autoridades tradicionais – os que permaneceram
fiéis aos princípios de governação tradicional e os que se renderam
imediatamente ao poder colonial. Segundo Altuna, um verdadeiro chefe
tradicional era um líder, um símbolo de unidade, um guardião das tradições do
seu povo, e fomentava a coesão no clã, tribo ou reino. Orientava as estruturas
sócio-político-religiosas com o seu carisma e contava com o apoio
gerontocrático, cuja função era procurar o bem comum da comunidade. O chefe
devia lealdade ao seu povo, por isso em situações de guerra e de derrota
iminente preferia suicidar-se a render-se ao inimigo. Foi o caso de Ndunduma,
Rei do Bailundo, que prevendo a derrota numa batalha (Século XVII) tomou a
célebre decisão de se suicidar, em sinal de lealdade. Pelo contrário havia os
que se rendiam ao poder colonial tornando-se vassalos. Estes juravam fidelidade
e obediência ao Rei ou á Rainha de Portugal, prometiam defender os portugueses
dos seus inimigos em tempo de guerra, deviam acolher os missionários e os
funcionários portugueses, capturar ou expulsar os desertores e os escravos
foragidos e fornecer trabalhadores para as caravanas portuguesas, colocando-os
totalmente ao serviço dos comerciantes (Altuna, 2006).
Sempre a considerar,
Mestre Benvindo Luciano,
Sociólogo e Docente Universitário
bom
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